A propósito da magia do cheiro dos livros

26-03-2022

Também eu gosto muito do cheiro dos livros. Gosto de folhear, de sublinhar e escrever comentários e anotações à margem. Sou sensível a uma inspirada dedicatória num livro que recebo de presente, como também gosto de dedicar e autografar meus próprios livros.

Mas livros pesam e ocupam espaço. Tenho uma considerável biblioteca e dá-me gosto arrumar as muitas estantes que tive ao longo da vida. Sempre que me deparo com um novo espaço, uma nova casa e, por conseguinte, uma nova estante, dedico dias e dias a arrumar meus livros, ordenando-os por temas, autores, idiomas. Nessas ocasiões, dou-me conta de que há livros (tantos!) que já li e não pretendo reler, assim como os que não li nem vou ler.

Na vida de um diplomata, as mudanças são uma constante. Foram 14 as mudanças internacionais que enfrentei ao longo de meus mais de 40 anos de carreira, sem contar as mudanças de casas numa mesma cidade. Embalei dezenas e dezenas de caixas de livros, para desembalar, meses depois, numa nova moradia. Essas caixas constituíram parte significativa do peso e da cubagem das mudanças.

Pois é, como disse, e repito, livros pesam e ocupam espaço. Numa dada ocasião, ao dar-me conta de que as caixas de livros já somavam mais de uma centena, decidi fazer algumas doações. Não sem certa dor no peito, doei centenas de volumes a centros culturais, departamentos de línguas de universidades e bibliotecas públicas. Por certo, a maioria dos livros doados integravam a categoria dos "não vou reler nem sequer ler".

Certo dia, bisbilhotando nas páginas da Amazon.com, fui apresentado ao Kindle, suporte digital de livros. Curioso, acabei por comprar um Kindle e logo fiquei entusiasmado com a quantidade e variedade de títulos oferecidos em versão digital. Minha adesão ao novo formato (embora sem jamais ter abandonado os livros impressos) se deu num certo dia em que eu estava numa livraria à procura de um livro que aliás recomendo: "Why Nations fail", de D. Acemoglu. Encontrei uma tradução para o português. Um volume de quatrocentas e tantas páginas - grande e pesado, portanto - e caro. Como estava em véspera de uma longa viagem, imaginei o transtorno de carregar aquele volume enorme e pesado para dentro do avião. Não comprei e decidi procurar no Kindle. Lá estava ele, na versão original, em inglês, e pela metade do preço que me era pedido na livraria. Esta é a grande vantagem, concluí, do livro digital: não pesa nem ocupa espaço. Hoje em dia, entro num avião carregando uma biblioteca no bolso do casaco. Não tem cheiro, mas, sem dúvida é uma comodidade e tanto!

João Solano