A "Avódrasta"
Não tive filhos meus. Mas tive filhos do coração. Filhos que amei como se fossem nascidos do meu ventre, do meu sangue. Foi sempre difícil sentir que, quer o pai, quer a mãe deles, acreditassem neste amor, verdadeiramente.
Uma vida profissional, sempre muito ativa, salvou-me. Trouxe ação, adrenalina, desafio, amor-próprio, sucesso, trouxe quase tudo o que precisava para ser feliz.
Até ao dia em que me apercebi que estava cada vez mais só. Os amigos ainda davam as boas festas no Natal e os parabéns no dia de anos, mas quando nos encontrávamos vinha a sensação que, ao fim de uma hora, pouco havia mais a conversar... o assunto "memórias do passado em comum" tendia a esgotar-se muito rapidamente.
Era preciso preparar-me para o último quarto do tempo da minha vida. Sempre muito pragmática, a morte não me assusta, mas a falta de atividade, a solidão, a doença, começa a dar-me alguns calafrios.
A verdade é que tenho a Sara, a neta do coração. A neta que me fez amar novamente como só se ama uma criança. Vê-la crescer, comover-me com os seus sucessos, poder ficar uns tempos com ela de vez em quando, fez-me renascer. Brincamos como duas crianças. O tempo que passo com ela a jogar às escondidas, a comer gelados, a dar mergulhos sem mão no nariz, são os meus momentos mais felizes, dos que mais sentido trazem à minha vida.
Mas sentia sempre que era a "Avódastra". A relação com a avó, ex-mulher do meu marido, não foi sempre muito aberta. Cordial, mas eu senti sempre que havia um espaço que não era meu, que não deveria ser ocupado por mim.
Até que um dia me chega um convite. Era o dia das avós e a escola ia fazer uma festa. Eu também estava convidada!
Fui e, quando cheguei, estavam lá também as duas avós. E eu.
Vejo a Sara correr na nossa direção com um sorriso de orelha a orelha como só ela sabe oferecer. Abraça-nos às três em conjunto e pede para darmos todas as mãos. Sorrimos, perplexas, mas demos as mãos.
- Venham! Venham comigo, que eu vou mostrar-vos aos meus amigos! Eu estou muito feliz porque tenho três avós! Eles só têm duas, mas eu tenho três avós, e gosto muito de todas!
Afinal não há "avódrastras".
Obrigada, querida Sara, minha neta do coração.
Vera Norte