Transições e "O Velho, o Rapaz e o Burro"

15-09-2021

Quando decidimos mudar de vida, quando entramos em transição em alguma vertente da nossa vida, seja ela pessoal ou profissional, um divórcio, uma mudança de cidade ou de país, de emprego, de modo de vida, é natural ter dúvidas e é natural ter medo do desconhecido.

Nessas alturas aparece sempre um conjunto de amigos e colegas que opina sobre o que é melhor para nós e nos dão um montão de conselhos. "Devias fazer isto..." "não faças isso..." "não é para ti...", "vais-te dar mal...", "vais sentir falta de...".

São na maior parte das vezes boas ideias, que são dadas com a melhor das intenções, mas são também, na maioria das vezes, ideias que projetam mais a experiência, os desejos e os medos de quem as formula do que aquilo que te vai realmente servir.

Todos nós, em maior ou menor grau, somos sensíveis à opinião dos outros. Ninguém é completamente alheio ao que os outros pensam, mesmo que o apregoe, e todos gostamos de reconhecimento. No que nos diferenciamos é naquilo sobre o qual queremos ser reconhecidos e na dependência que pomos na nossa vida desse reconhecimento. Uns querem ser reconhecidos por ser ricos e poderosos, outros por serem belos e atraentes, outros por serem generosos, outros por serem espertos ou inteligentes, outros por serem engraçados e divertidos, outros por serem ativos, outros por serem "zen", e assim vai...

Mas há uma diferença entre sermos sensíveis à opinião dos outros e preocupar-nos com isso e disso fazermos depender a nossa vida.

Quando nos preocupamos com o que os outros pensam e dependemos da sua validação e aceitação, tornamo-nos escravos dessas opiniões no limite de deixarmos de ter opinião própria.

Os nossos ditados populares ensinam-nos:

"Cada cabeça, sua sentença" e "Não se pode agradar a gregos e a troianos".

Lao Tzu, há 2500 anos atrás, dizia "Preocupa-te com o que as outras pessoas pensam e serás sempre seu prisioneiro".

E a história de "O Velho, o Rapaz e o Burro", que me contavam quando era criança, faz isso de uma forma divertida.

Aqui vai, para relembrar alguns e ensinar outros

Se posso dar um conselho é este: se estás em Transição escuta o teu coração e a tua intuição, ninguém melhor que tu sabe o que é melhor para ti.

Hélia Jorge


O Velho, o Rapaz e o Burro

O mundo ralha de tudo, Vou contar-vos uma história, Em prova desta asserção.

Partia um velho campónio, Do seu monte ao povoado, Levava um neto que tinha, No seu burrinho montado.

Encontra uns homens que dizem "Olha aquela que tal é! Montado o rapaz que é forte, E o velho trôpego a pé".

"Tapemos a boca ao mundo", disse o velho: "Rapaz, Desce do burro qu'eu monto, E vem caminhado atrás".

Monta-se , mas ouve dizer: "Que patetice tão rata! O tamanhão de burrinho, E o pobre pequeno à pata!"

"Eu me apeio!" diz prudente, o velho de boa fé. "Vá o burro sem carrego, E vamos ambos a pé!"

Apeiam-se e outros dizem "Toleirões, calcando lama, De que lhes serve o burrinho? Dormem com ele na cama?"

"Rapaz", diz o bom do velho, Se de irmos a pé murmuram, Ambos montemos no burro, A ver se inda nos censuram".

Montam, mas ouvem de um lado "apeiem-se almas de breu! Querem matar o burrinho, Aposto que não é seu?"

"Vamos ao chão" diz o velho, que já não sei o que fazer! O mundo está de tal sorte, que não se pode entender.

É mau se monto no burro, Se monta o rapaz, mau é. Se ambos montamos é mau, É mau se vamos a pé:

De tudo nos têm ralhado, Agora que mais nos resta? Peguemos no burro às costas, Façamos ainda mais esta!"

Pegam no burro: o bom velho Pelas mãos o ergue do chão: Pega-lhe o rapaz nas pernas E assim caminhando vão.

"Olhem dois loucos varridos!" Ouvem com grande sussurro. "Fazendo o mundo às avessas, tornados burros do burro!"

O velho, então, pára e exclama,

"Do que observo me confundo,

Por mais qu'a gente se mate,

Nunca tapa a boca ao mundo!

Rapaz, vamos como dantes,

Sirvam-nos estas lições!

É mais que tolo quem dá

Ao mundo satisfações".