Poesia # 56 - Memórias de canela

16-08-2023


Lembro que era Natal.

Estava em casa no corredor. Ao fundo era a cozinha, o chão tinha mosaicos que pareciam com relevo, em tons grená. Toda a casa cheirava a doce, quente, um ligeiro travo a laranja também mas muito suave.

Eu estava a espreitar. Naqueles dias a curiosidade era muita. A casa estava cheia; as primas, os avós estavam a conversar. Conseguia ouvir as vozes mas não o que diziam. Foi o cheiro que me levou até a cozinha. A minha mãe lá estava. No fogão uma grande panela de inox sem tampa com uma concha lá dentro. Na mesa os pratos brancos com uma cercadura de azevinho mas em azul. Eram da Vista Alegre porque era dia de festa.

A minha mãe deitava com a concha o arroz doce nos pratos todos dispostos sobre a mesa de tampo de mármore. Olhou para mim e sorriu. "Estás à espreita Verinha (gostava quando me chamava Verinha em vez de Vera Helena…), queres ajudar? "Eu ansiava por isso.

"Vamos por canela?" perguntei. Sim!

Havia um prato grande cheio de canela e podíamos fazer desenhos …segurávamos a canela entre o polegar e o indicador e desenhávamos círculos, folhas, estrelas (as estrelas eram muito difíceis porque não saiam simétricas).

Não tivemos tempo, não tivemos muitos momentos assim juntas mãezinha, mas é difícil até hoje, comer arroz doce sem pensar em ti.

Um dia vou ter uma neta, e vou fazer arroz doce, e vou ensiná-la a colocar a canela entre os dedos e a desenhar estrelas …