Memórias de Verão - o toldo e a palhota

09-07-2024

O toldo de praia era uma instituição. Era ali que, entre outras coisas, nos resguardávamos do Sol embora, isso, fosse apenas uma ínfima parte do que este pedaço de lona representava para a juventude do meu tempo. Começava logo porque se tinha de reservar o dito de um ano para o outro, ou quando muito, quando começava a época balnear. Senão, íamos lá para o fim da fila, longe do banheiro, do estrado de acesso e onde a areia parecia mais quente. Se fosse esse o caso, ficávamos longe do centro, onde tudo de relevante acontecia.

Um bom toldo queria-se central, cosmopolita, no seio das "gentes" e dos "grupos", pois era ali que se fabricavam as amizades e se organizavam os picnics e festas de terraço ou de garagem, que propiciavam o flirt, permitindo-nos explorar uma outra dimensão da adolescência. A nossa "chegada ao toldo" era como uma lança em África. Até me admiro como é que Camões não discorreu sobre isso!... A conquista daquele rectangulozinho mágico de sombra e frescura, fazia-nos respirar fundo. Era como se disséssemos para nós próprios: pronto já está! Agora fico aqui a reinar durante quinze dias, um mês, ou as férias todas.

Era ali que depositávamos os chinelos, as forminhas, os ringues, as boias, os respiradores, as alcofas (com água, sandes, fruta e tudo o mais que se possa imaginar), o Ambre Solaire, os chapéus, as barbatanas e os porta-moedas. Era neles que, mediante autorização superior, procurávamos umas moeditas para comprar batatas ou favas fritas, ou uma bola de Berlim, e os degustar ao Sol.

Íamos brincar com a malta. Correr, jogar à bola e fugir do Cabo de Mar, saltar e salpicar-nos uns aos outros, apanhar cadelinhas, ou fazer carreirinhas sem prancha. Depois estendíamos as toalhas umas ao lado das outras. Deitávamo-nos com a cara chapada no solo e a olhar de lado. Apreciávamos minuciosamente aqueles corpos de Vénus brilhantes de sal e cheios de vida que arfavam ao Sol, que nos provocavam erecções, que a areia condescendente procurava acomodar.

No toldo, mães e amigas faziam crochet, comentavam as novidades da Flama, da Crónica Feminina, da Moda & Bordados, ou da filha da vizinha que tinha entrado para a faculdade, "tesourando" apropriadamente. Organizávamo-nos em grupos que se defrontavam no areal em disputadas jogatanas de futebol: Os da Praia Nova contra os do Dragão Vermelho, ou os da Costa contra os de Stº António. Mas a nós, o que nos interessava verdadeiramente, eram as festas, os picnics e os bailaricos.

À noite havia cinema com aqueles bombeiros à porta e os filmes do costume: Os Dez Mandamentos, Quo Vadis e as indispensáveis cowboyadas. Por vezes, às Quintas-Feiras à tarde, íamos à matinée ver o Bugs Bunny ou o Bamby e outras coisas leves, onde fazia de "ama-seca" dos meus irmãos.

Atacado embora pela barraca e, ultimamente, pela palhota, o toldo soube perdurar no tempo e impor-se como instituição intemporal. Muito antes das Sombras de Grey!

José Aleixo Dias, junho 2024