Envelhecer é o único meio de viver muito tempo

23-04-2022


"Envelhecer é o único meio de viver muito tempo" parece-me uma verdade monsieur de La Palisse, mas será mesmo? E quando um segundo vale uma vida? E quando um segundo nos envelhece trinta anos? E quando aos dezoito já temos cabelos brancos? E já não temos alguns dentes? E aos vinte e cinco estamos calvos, ou quase, e nos desforramos numa barba? E quando perdemos a força anímica e tudo é um esforço tremendo? E quando nós (às vezes terceiros) somos o próprio muro.

Envelhecer é um desafio, porque a vida é um desafio na sua substância temporal e espacial, e, creio, pela particularidade de sermos seres pensantes e conscientes, tendo a racionalidade um peso evolutivo e construtivo mas também condicionante.

Binha, que nunca leu António Damásio nem viu "Benjamim Button", para quem genética provavelmente era algo a descobrir, muitas vezes referiu que considerava que deveríamos nascer velhos e morrer jovens, numa explosão de alegria. Eu achava particularmente engraçado, não só pela "contrarrealidade" e pela imagem provocante e libertadora, mas sobretudo pela satisfação que sinto de uma senhora querida, que teria 101 anos se estivesse viva, que não estudou no sentido que lhe damos hoje, e que apenas tinha o hábito de pensar sobre a vida e os acontecimentos, tirar as suas conclusões sem a influência de leituras ou visionamentos, e chegar a esta preciosidade.

Acho mesmo uma preciosidade. Pois era contra tudo o que estava vigente como pensamento, a "lei natural das coisas". E sabendo que a sua ideia não alteraria nada, teve a ousadia de a expressar e, quem sabe, na hora de partir sentiu-se uma menina e libertou-se a rir para o desconhecido.

Com a sua alegria de viver, de lutadora, inconformista e de livre-pensadora, de Mulher que se sabia socialmente limitada por regras e tabus, manteve a sua autonomia, foi coerente e íntegra. Foi mãe de seis crianças e enviuvou cedo, e parou o tempo e o espaço com alguns anos a mais nos oitenta.

"Envelhecer é o único meio de viver muito tempo": tempo é oportunidade, por certo envelhecemos, a matéria é finita. Viver é apercebermo-nos de nós e do Outro, um fluir contínuo de Amor. Não será este a nossa imortalidade, que desperdiçamos ou atropelamos ao querermos apoderarmo-nos do tempo, do espaço, do Outro?


Alexandra Carvalho