Abracadabra

24-02-2022

Era a palavra mágica que, no conto "Alibaba e os 40 ladrões" fazia abrir a gruta dos tesouros.
Abacadabra que em rigor se diz "Abraq ad habra" significa em aramaico "eu crio enquanto falo", o que me traz de novo ao poder das palavras.

Em 2004 em viagem com a família pela Califórnia fui parar ao "Museu da Tolerância" em Los Angeles. Foi neste museu que senti, talvez pela primeira vez na minha vida, como o que dizemos influencia o que pensamos e o que sentimos.
Aberto ao publico em 1993 por Simon Wisenthal, judeu e sobrevivente do holocausto, este museu não é um museu comum. A ideia de Simon Wisenthal não era só recolher documentos, fotos e vídeos sobre as várias formas de intolerância, e que neste museu o Holocausto tem um papel importante, mas fazer com que as pessoas sentissem essa intolerância e levá-las à ação.
Neste museu vivenciamos várias formas de intolerância; Intolerância em relação às mulheres, intolerância racial, religiosa, de opção sexual, ...
Logo nas primeiras salas encontramos o café "Point of View", Ponto de Vista. Este "café", decorado à moda dos anos 50, não serve comida nem bebida. Sentamo-nos e temos à nossa disposição um menu com temas para discussão. Temas tão variados e controversos como o bullying, a condução com álcool, discursos de ódio, direitos das mulheres...
Nas mesas temos computadores onde podemos interagir. Cada tema tem uma história que nos é contada e perguntas que nos são feitas à volta dessa mesma história. As respostas nunca são fáceis. No nosso ecrã aparece a nossa resposta, a média das respostas das pessoas da sala e a média das respostas das pessoas que já visitaram o museu, organizadas por sexo, geografia.. E entendemos que somos todos diferentes e somos o resultado do nosso percurso.
A dada altura o caminho do museu separa-se em duas passagens, uma para homens e outra para mulheres. Lembro-me de ficar inquieta por ter sido separada do meu marido e dos meus filhos. De facto eram duas passagens para uma mesma sala e o alívio durou só uns segundos porque nos apercebemos que estávamos num dos chuveiros dos campos de concentração do holocausto...
Mas por incrível que pareça aquilo que mais nos marcou foi entender a importância das palavras, tema que nos é lembrado ao longo de todo o museu. "Trabalho de preto" "Estúpida como uma loura",...frases que muitos repetem ainda hoje sem pensar, frases que estão interiorizadas.
Lembrámos com gratidão o trabalho de casa que o meu filho Vasco trouxe aos sete anos: ir ao dicionário procurar a palavra mongoloide e fazer uma pequena redação, como resultado de ter chamado mongo a um colega no recreio.
Durante uns tempos, depois desta visita ao museu, estávamos os quatro atentos às palavras que dizíamos e ao seu impacto. Era como um jogo reparar nessas nuances da nossa linguagem e lembrá-las aos outros.

Quero acreditar que esse momento perdura e que nunca nos esquecemos.
Realmente criamos enquanto falamos e o que criamos é decisão apenas nossa.
"Abraq ad habra" é uma palavra mágica não porque abre a gruta dos tesouros mas porque nos pode tornar mais conscientes, mais tolerantes, mais humanos.


Hélia Jorge