Quando o corpo te diz Não!-II

Fotografia: Trabalho de Dale Chihuly, em vidro, patente no Chiluly Gardem and Glass – Museu em Seattle
O poder do pensamento negativo
Realmente passei quase toda uma vida a defender o pensamento positivo. Alguns exemplos do meu Eu: "para a frente é o caminho", "dou-me um dia ou dois para ficar triste e avanço", "é só pôr um pé à frente do outro"
Curiosamente, de novo a referir o livro do Dr. Gabor Maté – Quando o corpo diz Não!, dou de caras com todo um capítulo dedicado ao poder do pensamento negativo, e parece que de repente se fez luz!
No entanto, agora aqui embrenhada nos meus pensamentos e na necessidade de partilhar esta "descoberta", verifico que a Hélia Jorge escreveu, em Abril 2021, "A obsessão pelo pensamento positivo", https://www.transicoes.pt/l/a-obsessao-pelo-pensamento-positivo/ e eu própria já em Maio de 2021 tinha escrito, também para a Transições, um artigo "Poderia ser pior! O lado negativo da positividade" https://www.transicoes.pt/l/poderia-ser-pior-o-lado-negativo-da-positividade/, ambas chamando a atenção para os "riscos" de tal forma de estar na vida, sobretudo se a 100%, ou como é referido no livro, de forma compulsiva, não genuína.
Recordo agora que na altura gostei muito de uma frase da Hélia quando refere: "Às vezes, como dizia uma amiga minha no outro dia, é mesmo preciso partir um prato, chorar, gritar, dar umas murraças num saco de boxe."
Acho que em toda a minha vida raramente pratiquei estes conselhos. Bom na verdade, uma única vez, há cerca de 25 anos, estávamos nós a dar uma pequena festa em casa para a família, daquelas em que queremos que tudo corra bem, muito trabalho e muito stress, pouca ajuda; estava a tirar a loiça da máquina, nomeadamente a tirar os pratos, quando, com uma bela pilha na mão, entra na cozinha um familiar, que tinha o condão de me pôr os cabelos em pé com alguma frequência, e diz algo, garanto que não me lembro o quê, e só me recordo ter dito " Ah! é?!?!" e atirar com todos os pratos ao chão. Passaram tantos anos que confesso que hoje já não sei se foi real ou se foi imaginação, mas seja como for, ainda vejo a cena, o ar escandalizado a quem a minha fúria era dirigida, e sinto um grande alívio.
Bom, não estou a fazer a apologia de partir a loiça toda – mas guardar uns pratinhos lascados para uma necessidade, se calhar não é má ideia....
Há um outro exemplo onde eu aproveitava para discretamente libertar a minha ira. Quando tinha aulas de ténis, o professor já sabia que havia dias que era preciso estar atento e desviar-se mesmo. É que havia dias, em que o que eu realmente gostava era de bater a bola, com toda a força e energia, imaginando à minha frente a "figurinha" do meu então chefe da empresa onde trabalhava. Era aí que as minhas jogadas, esquece o "amorti" e o "smash", eram mesmo "serviço ao corpo", ou "forehand" dirigido. E regressava ao trabalho completamente "zen".
Onde quero chegar é que, se em 66 anos de vida, tive uma fúria séria uma vez, e infelizmente não jogo ténis há muitos anos, deve haver por aqui muito "lixo" guardado em gavetas internas, que criou e possivelmente ainda cria, frustração e um peso completamente desnecessário. É como andar com um saco de quilos e quilos às costas, todos os dias, sem saber bem com quê e porquê.
Estou convencida que o tema deveria ter mesmo a nossa atenção, pois acredito que ganharemos na saúde, física e emocional. Por isso pensei partilhar algumas das frases que mais me chamaram a atenção, no livro do Dr. Maté, nomeadamente no capitulo "o poder do pensamento negativo":
"O primeiro passo para retomar o caminho da saúde é abandonar a nossa dependência do que se domina por pensamento positivo";
" O otimismo compulsivo é uma das maneiras de reprimir a nossa ansiedade e evitar enfrentá-la"
"Para poder curar, é essencial reunir forças para pensar negativamente. O pensamento negativo não é apenas um olhar triste e pessimista que se apresenta como "realismo". Constitui uma vontade de pensar naquilo que não funciona: O que está desequilibrado? O que terei ignorado? A que é que o meu corpo está dizendo Não? Sem a resposta a estas perguntas, as tensões responsáveis pela nossa falta de equilíbrio permanecerão ocultas."
"Há uma crença generalizada de que as emoções positivas dão boa saúde. Se bem que seja verdade que a alegria e a satisfação genuína aumentam o bem estar físico, os estados mentais "positivos" gerados para ignorar o mal estar psíquico diminuem a nossa resistência à doença."
"O poder do pensamento negativo requer que tiremos os nossos óculos cor de rosa. A chave não é culpar os outros, mas sim assumir a responsabilidade em cada uma das nossas relações."
"O poder do pensamento negativo requer a fortaleza de aceitar que não somos tão fortes como gostaríamos de ser. "
"A nossa fragilidade não é nada de que nos envergonhemos. Uma pessoa pode ser forte e mesmo assim precisar de ajuda; pode ser poderosa em certos aspetos da vida e impotente e confusa noutros. "
"A intenção de estar à altura da nossa auto-imagem de fortaleza e invulnerabilidade gera stress e altera a nossa harmonia interior."
"O pensamento negativo permite-nos enfrentar sem medo aquilo que não funciona no nosso interior. Vimos em vários estudos que os pensadores positivos compulsivos são mais propensos a desenvolver doenças; o pensamento positivo genuíno – ou dito de uma forma mais profunda – o ser positivo – empodera-nos para saber que não temos nada a temer da verdade."
Bom a escrita, e a leitura, já vai longa e para terminar, em poucas palavras, diria: há uma diferença fundamental entre o pensamento positivo compulsivo e o pensamento positivo genuíno. Este último transforma-nos em pessoas positivas, reais.
Teresa Marques