O Papel dos Hobbies
O Papel dos Hobbies para o Bem-estar Mental na Reforma
A reforma é dos marcos mais significativos na vida das pessoas da sociedade moderna. Trabalhar tem-se vindo a tornar, cada vez mais, uma parte dominante do nosso dia-a-dia, trabalhando-se cada vez mais horas e até uma idade, cada vez mais avançada. Para além de todas as questões que isto levanta acerca do bem-estar global e da própria saúde mental, cria também condições para que a reforma possa ser uma transição de vida menos suave. Com tanto tempo dedicado ao trabalho, a maioria das pessoas fica com pouco ou nenhum tempo disponível para se dedicar a hobbies e atividades de tempos livres, sobretudo se houve crianças, o que mais tarde se pode, potencialmente, traduzir num vazio após a reforma, por não ter havido uma exploração de atividades fora do trabalho que estejam associadas a prazer e lazer.
Mas afinal, porque é que é tão importante ter hobbies na reforma? A reforma representa uma transição de um dia altamente estruturado - uma hora de acordar fixa, com uma hora de entrada no trabalho, uma hora de almoço, mais ou menos pré-definida, uma hora de saída – para uma utilização muito mais livre do próprio tempo, com menos obrigações e pouca estrutura. Sendo que a maioria das pessoas trabalha aproximadamente 45 anos, é fácil compreender que abandonar uma rotina que existiu durante tanto tempo pode ser desafiante. Aquele tempo em que as pessoas se queixavam de não ter, para fazer as múltiplas coisas que tinham para fazer, enquanto trabalhavam, de repente passa a estar disponível e, quando isso acontece, nem sempre é fácil saber o que fazer com ele. Desenvolver hobbies e participar em atividades torna-se assim importante, como forma de preencher este tempo que passa a estar disponível, podendo ajudar também a conferir alguma estrutura ao dia-a-dia da pessoa.
Quantas pessoas passaram a vida toda a trabalhar em algo que até nem apreciavam assim tanto? Quantas é que se reformaram já cansadas e saturadas do trabalho que desempenhavam? Aquilo que queremos na reforma, em termos emocionais, é o oposto disso: queremos prazer, lazer, fruição, tranquilidade. Tudo isso pode ser alcançado através de atividades nas quais a pessoa se sinta capaz. Pintura, música, cerâmica, crochê, puzzles, jardinagem, atividade física, leitura, escrita, qualquer um destes exemplos pode ser considerado um hobbie que pode promover sensações de bem-estar e preenchimento, contribuindo positivamente para a saúde mental. Para além disso, muitas vezes, a reforma pode representar um período de maior isolamento social, pelo que manter hobbies ou atividades em grupo, pode funcionar também como oportunidade de estabelecer e manter conexões sociais que, por si, também contribuem para o bem-estar. Se estas interações sociais, através de hobbies partilhados, forem entre pessoas reformadas, melhor ainda, porque nesse caso podemos ter aquilo a que chamamos de experiência partilhada, ou seja, estar com outras pessoas que estão a experienciar o mesmo que eu, permitindo, muitas vezes, perceber que certas coisas que eu sinto não são sentidas só por mim, mas por várias pessoas, ou até pela maioria, que está a passar por uma situação semelhante, conferindo um maior sentido de comunidade e pertença, também importante para o bem-estar emocional e psicológico.
Algo também importante de ter em conta é que não é preciso a pessoa ser excecional, ou até mesmo boa nos hobbies que tem. No fundo, a pessoa só precisa de se sentir bem ao fazê-los, porque, nesta fase da vida, já não é sobre produtividade e eficiência, é muito mais sobre desfrutar o processo e manter-se ativo. Num panorama atual, com uma incidência crescente de demências, os hobbies também representam um fator protetor para a deterioração das funções cognitivas, contribuindo para que a pessoa se mantenha ativa, promovendo que continue a fazer uso de várias funções cerebrais, combatendo, assim, o envelhecimento do cérebro.
É, portanto, fundamental que, na reforma, se encontrem atividades, individuais e/ou em grupo que possam ser, não só uma forma de preencher o tempo livre, mas também uma fonte de prazer e bem-estar e também de convívio e pertença, para que a transição e entrada para esta nova fase de vida seja acompanhada de emoções agradáveis.
Inês Serôdio
Psicóloga Clínica