Diálogo com a minha criança interior

15-05-2025

Minha criança interior vou chamar-te de Linda.
Não sei de onde vieste nem se te obrigaram a vir, ou quiseste vir... 
Sei que foste heroína por teres aceitado vir.
Aceitaste uma família simples, impreparada, inexperiente, mas com boa vontade, e bons sentimentos.
Penso que não foste rejeitada, apenas mal-amada, fruto das dificuldades dos teus pais, também eles perdidos nos seus sentimentos e afazeres.
Tens lutado sozinha para seres vista e cumprir o teu projeto de vida. Sempre te sentiste perdida, angustiada pelo desconhecido, não amada como necessitaste.
Ninguém te ensinou o que fazer... foste fazendo.
Com muitos erros, mas seguindo em frente, apesar das dúvidas, traumas de percurso, desejos não atingidos, sofrimentos acumulados. Não te ensinaram a valorizar o que foste realizando, para os outros. Não te questionaram sobre o que sentias, se estavas feliz ou preocupada, ou o que sonhavas, ou o que te entristecia.... Foste passando ao lado, de toda a gente, que não te viu. Foste escondendo o que precisavas, de quem gostavas.
Mas a Maria José adulta que te acompanhou e também não te viu, reconhece agora a falta que lhe fizeste, e de como poderiam ter sido grandes amigas, na solidão sentida pelas duas. Sim, eu adulta entendo-te muito bem. Reconheço em mim tudo o que passaste e decidi começar a amar-te e a ver-te. Estou aqui para ti.
Preciso de ti. Vamos as duas enfrentar esta tristeza que sentimos por não nos verem. Só nós sabemos que podemos mudar-nos e aprender a viver com a alegria que teima em não se manifestar. Viemos para fazer a diferença, para crescer no amor e para sermos felizes. Abraço-te com amor infinito. Vejo-te com uma heroína.
Amo-te Linda.

Minha querida Maria José, numa qualquer idade da adolescência.

Vejo-te sentada à secretaria. Trabalhas? Lês? Fazes qualquer coisa para te entreter? Não sei..., mas sinto-te só, a pensar nos que lá fora se ocupam mais animadamente. Lá fora faz sol e tu sentada em casa, fechada, com frio até. Entendo hoje, com 66 anos, o quanto te sentiste abandonada, infeliz, por vezes talvez desesperada. Hoje começo a sentir–te em mim, quando me sinto só e melancólica. Tivemos o mesmo sentir nesta vida. Mas hoje estou mais crescida e acredito que te revivo em mim frequentemente. Se eu pudesse voltava atrás para estar contigo e fazer-te companhia. Tenho mais sorte hoje pois como adulta que já sou, tu me fazes companhia.
Dizia-te o quanto valor tu tinhas quando duvidavas de ti, das tuas possibilidades, da tua beleza. Foste muito paciente, perseverante, resiliente e conseguiste crescer em sabedoria, conhecimentos e experiências, que pouco a pouco te tornaram numa mulher capaz de ter na vida, quase tudo o que quis.
Ficam de fora as pessoas que não souberam ou não conseguiram amar-te só porque sim. A culpa não é de ninguém. Sabes é a vida e cada qual tem a sua.
Digo-te hoje, que realmente vivemos para um propósito maior que desconhecemos. Muitas pessoas cruzam –se no nosso caminho e estão connosco mais ou menos tempo e a todas devemos agradecer: umas pela companhia que desfrutámos e nos alegrou, outras nos magoaram e entristeceram, mas com todas aprendemos alguma lição.
Faltou talvez a permanência mais constante dos ensinamentos dos que nos amaram verdadeiramente. Mas... que fazer? Também não souberam porque não foram ensinados, ou também estavam perdidos, e infelizes e não nos conseguiram ver.
Agora tu já não podes fazer nada. Já cresceste. Mas eu ainda tenho tempo para crescer e aprender a viver feliz. Eu sou tu em permanência. Estamos unidas simbioticamente para sempre. Aprendi muito contigo e quero resgatar-te, curar-te, ver-te.
Agora, ainda estou perdida em momentos mais ou menos longos, mas tenho esperança em dias melhores. Não me quero violentar a aceitar poucochinho do que mereço. Do que merecemos. Resta-nos provavelmente viver uma com a outra.... Aprendermos a gostar da nossa companhia.
Vamos enfrentar os nossos medos.
Vamos aprender a enfrentar as nossas mágoas. Crescer com as nossas fraquezas. Reerguer-nos das nossas quedas.
Vamos ter de arriscar e viver a relação com os outros.
Arriscar e sair para ajudar quem ainda não cresceu como nós. Acima de tudo aprender a gostar de nós e apreciar o nosso valor. Aprender a ser felizes só por estarmos disponíveis para o que a vida nos quiser entregar e dar gratuitamente.

Maria José Valente

Maio de 2025