Carta ao Medo

Escrevo-te, Medo, não porque tenhamos deixado de nos encontrar - a nossa relação é para a vida – mas exatamente porque, sendo tu uma presença constante, senti necessidade de falar contigo.
Desde que me lembro, tu estavas lá. Às vezes visível, impossível de ignorar, outras impercetível. Estiveste presente nos choros de bebé, nos gritos de criança, nos silêncios de adulta.
Mas não é por isso que te escrevo. Mais importante que estares lá, são os momentos em que, estando lá, me ajudaste a mudar algo na minha vida.
Quando tinha cerca de 7 anos, comecei a sentir medo do escuro. Todas as noites, ao deitar-me, sentia-te chegar, de mansinho, deitavas-te ao meu lado e sussurravas dúvidas que faziam tudo à minha volta parecer assustador. Passei a dormir com as luzes da casinha de bonecas acesas. Todas. E tu, Medo, espreitavas pela porta, mas recuavas. Parecia que, afinal, também tinhas os teus receios…
Passou algum tempo, até que senti que talvez tivesses desistido de me visitar durante a noite. Então, arrisquei. Devagar, uma após uma, fui apagando as luzes da casinha de bonecas - primeiro do andar de baixo, depois do andar de cima - até ficar apenas a do quarto da boneca filha, tal como eu, deitada na cama. Durante dias, essa ténue luz acompanhou-me, e fui-me sentindo cada vez mais forte. As sombras do meu quarto deixaram de me assustar, na penumbra distinguia os brinquedos, a secretária, a pasta da escola. Sentia-me segura, naquele que era o meu mundo. Até que um dia senti que aquela luzinha já não era necessária. Com coragem, apaguei-a. E tu, Medo, não vieste.
Na manhã seguinte, acordei, sentindo-me a menina mais forte do mundo. Tinha conseguido!
Hoje, recordando este episódio, percebo que o que importa não é não sentir medo. Tu estarás sempre presente. O que importa é ter a força suficiente para, mesmo contigo, acender e apagar as luzinhas da vida, guiada por essa força interior que tu, Medo, ajudaste a despertar.
Por isso, meu companheiro de vida, agradeço-te. Em muitos momentos, ajudaste-me a crescer, a mudar, a encontrar coragem, a ser mais completa. E quando vieres visitar-me de novo, cá estarei, forte, para te receber e lidar contigo, da melhor forma que encontrar dentro de mim.
Luísa Chaves
Setembro 2025