Gracinda Santos

O Presépio Vivo

O Presépio ia de rua em rua, de porta em porta, perguntando-se aos donos da casa se queriam lá o presépio. Em caso afirmativo, entravam e desfiavam a representação. O Menino Jesus era de barro emprestado pela casa paroquial. No final da apresentação, o dono da casa entregava as prendas como dádivas ao Menino. A representação era cantada, tal como em Alpalhão, e acompanhada por instrumentos musicais.

Personagens: S. José, Virgem Maria, Anjo e três pastores

Virgem Maria:

José, esposo amado,
Se a vós parece bem
Eu cá tenho determinado,
É irmos prá Belém

S. José:

Vamos, não tardemos nada
Que é muito comprida a jornada
Nós não podemos ir a pé
Porque estais muito pejada
Aqui levo enxô e serra
Não sei se naquela terra
Acharei que fazer
Pão na minha cestinha
E a minha cabacinha com vinho
Quem vai pr´ó Egipto
Não pode ir sem comer

Pastor Lourenço:

Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino Sagalejo
Morro por vosso amor
Já que tão belo vos Vejo
Aqui vos trago ovos,
Queijo fresco e uma rosinha encarnada.
Bem vê que sou pobre
Não lhe posso dar mais nada.

Pastor Mendro:

Ó meu Menino Jesus
Aqui vos trago perús,
Mel e uma garrafa de aguardente
Que faça aquecer a gente.
Ainda lá tenho no meu rebanho
Um borreguinho para oferecer ao menino Jesus
Ele é pequeno
Mas é quase do meu tamanho

Os três pastores:

Toda a vida fui pastor, mas olé
Toda a vida guardei gado
Tenho uma chaga no peito, mas olé
De me encostar ao cajado.

Todos os morgados nascem
Entre camas e cortinas
Só o Menino Jesus
Nasceu numas palhinhas.

Levante-se daí ó menina
Desse cantinho do lar
Vá lá dentro à dispensa
Traga de lá que nos dar.

Ou o toucinho é alto
Ou a faca não quer cortar
Ou a moça é preguiçosa
Que não se quer levantar.

Ó patroa venha vinho
Chouriços, presuntos e lacões
E coroas de vinte-cinco-tostões
Eu tudo aceito
Só pancada é que eu enjeito

O Anjo:

Pastorinhos de verde prado
Recordai por vosso bem
Vinde ver Cristo que é nado
No presépio em Belém.

Mandro:

Ó Lourenço não ouviste,
uma voz do céu cantar?

Lourenço:

Ouvi sim,
E fiquei tão elevado
Que não pude falar

O Chefe dos pastores:

É um anjo que nos traz
Grandes e novos louvores
Que é nascido no presépio em Belém
O redentor do mundo
em forma dos pecadores

Anjo:

Entrai pastores entrai
Por esse portal sagrado
Indo ver o Deus-Menino
Numas palhinhas deitado.
Numas palhinhas deitado
Está um tão grande senhor
Sendo Ele o Rei dos Reis
O imenso criador.

Lourenço:

Ó que voz tão excelsa
Sinto na minha alma miselar
Não me posso retirar
Sem o Menino ir adorar

Mendro:

E eu também.

Chefe:

Eu cá já cá estou.
(chegam ao pé do Menino Jesus e ajoelham-se)
Ó meu Menino Jesus
Se eu soubesse o que agora sei
Eu iria a casa d'El Rei
Buscar com que vos acobertar
Mas agora que vos vejo
Deitado quase no chão
Aceitai-me este gibão
Este paninho com farinha
Que é p'rá papinha
E um chouriço curado
Absolvido do pecado
Ó meu Deus omnipotente
Amén

Conto retirado do livro "O presépio de Aloalhão" de Manuel Inácio Pestana