Clara Lencastre
Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um
navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no
prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas
entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque
esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos
frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos
mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a
cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas
entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez
seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
Poema de David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal'
