Acilina Caneco

Ilustração de Acilina Caneco

Umas luzinhas de Natal

Era véspera de Natal. Toda a gente se preparava para comemorar essa noite mágica, onde era suposto saborear a companhia e o carinho da família. E as guloseimas, as luzes, as decorações e as cores… Mas ela, a Isabel, estava sozinha e triste. A família estava longe e ela tinha acabado recentemente o seu relacionamento com o Manel (ele continuava enamorado pela sua antiga namorada, que o tinha deixado).

Este ano, nem as luzes de Natal na sua rua foram instaladas!!! Era no Bairro da Serafina, em Campolide, onde habitualmente se vive o Natal tradicional. Isabel estava triste por não haver ali nada iluminado, uma árvore, qualquer coisa a simbolizar o Natal. Os habitantes dos bairros pobres, onde faltam as estrelas e os pais natais, sentem-se descurados. As luzes ajudam o imaginário das crianças e dos adultos a esquecer, por alguns momentos, as precariedades da vida.

Então a Isabel caprichou na decoração da sua própria casa. Toneladas de luzes, estrelas e Pais Natal. Presépios de todos os tipos - ela fazia coleção. Quanto mais pequeninos e originais melhor, mais ela os apreciava. As luzes, os carroceis, os moinhos, os comboios elétricos, eram tantos, que a certa altura se ouviu um estoiro e se apagou tudo. Foi à escada e também não havia luz no patamar. Chamou o elevador e não funcionou! Vestiu qualquer coisa, calçou uns botins, enfiou um casaco e preparou-se para descer as escadas, a pé.

Como não havia eletricidade em todo o prédio, havia mais gente com o mesmo problema. Um vizinho apareceu a descer as escadas também.

- Boa noite. O que teria acontecido para ficarmos sem luz? Perguntou ele.

- Devo ter sido eu… Liguei imensas luzes e outras decorações eléctricas de Natal na mesma tomada…

- Ah! Então deve ter algum curto-circuito que fez disparar o disjuntor do prédio…

- Pois é! Mas a esta hora, no dia de hoje, onde irei encontrar alguém que me arranje isto?

- Eu posso tentar… não sou electricista, mas costumo fazer pequenos arranjos em casa.

Isabel convidou-o a entrar. Ele tentou, mas não conseguiu! A luz não regressou. Sentou-se no sofá, cansado. E começaram a conversar. À luz das velas, enquanto petiscavam umas nozes e broas castelares. Ele, o Luis, contou-lhe que vivia ali apenas há dois meses. Tinha ficado viúvo há um ano. Antes viveu em Tavira, onde leccionava. Gostava de viver lá, perto da praia. Agora estava aposentado. Ela ficou muito interessada e espantada com a coincidência. Tavira era a sua terra natal. Tinha saído de lá, com os seus pais, quando tinha oito anos. Depois só lá ia nas férias para veranear. Tinha imensa curiosidade de saber como era a vida das gentes de lá, desde então. Ele falou-lhe de pessoas e de lugares que ambos conheciam.

Voltaram-lhe à cabeça os versos da Sophia de Mello Breyner Andresen:

Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão.

Resolveram ir passear para a Baixa, ver as iluminações de Natal. Aí havia!!! A Rua Augusta, o Chiado, a Praça do Comércio, … iluminaram e coloriram uma animada conversa, onde descobriram que tinham muitos gostos parecidos.

Estavam numa fase da vida em que perceberam quão frágeis são as relações humanas. As circunstâncias da vida mudam bruscamente e não podemos fazer nada quanto a isso. Nada nem ninguém nos pertence. Ser feliz depende sobretudo de nós próprios. E só sendo feliz, se pode fazer os outros.

Às vezes, para nos encher a alma, basta o cheiro da terra molhada pelo orvalho da manhã, ou a variedade e colorido das flores que bordejam o caminho na montanha. Ou o sorriso duma criança. Ou o afago duma mão. Ou a calma do azul tranquilo do mar do Algarve. Ou umas luzinhas de Natal

Acilina Caneco
Natal 2025