"A love affair" - Viena, Austria (Julho 2022)

12-09-2022

Visitar Viena, é mergulhar no coração da Europa, no centro do outrora grandioso império austro-húngaro. Embarcar nesta experiência trazia-me, à partida, sentimentos contraditórios, para decifrar em apenas cinco dias.

Lembrava-me de lá ter estado uma vez, mas há tanto tempo que não conseguia recuperar qualquer memória da visita. Viena de Áustria viu nascer o ditador Hitler que aterrorizou o mundo no século vinte, e Sigmund Freud que nos deixou a psicanálise para melhor nos compreendermos e cuja melhor proposta, em meu entender, foi instigar-nos a fazer todos os dias o exercício de sermos honestos connosco próprios. Maria Leopoldina, a mulher de D. Pedro I de Portugal que promoveu a independência do Brasil, nasceu aqui. E claro, Mozart e Beethoven compositores que nos maravilharam e maravilham com a sua música intemporal desde o século 19. E, ainda, e sobretudo para mim, Gustav Klimt, o pintor do mais belo beijo em tela, que ainda podemos amar no centro do grandioso palácio Belvedere.

Capital dum país da CEE desde 1994, Viena foi também a capital de impérios (casa de Habsburgo, o sacro Império Romano germânico ou Império Austríaco) mas afigurou-se-me relativamente pequena. Alberga 1,8 milhões de pessoas e apenas 2,6 na grande metrópole, mas chegou a ser a mais povoada do continente e a quinta maior do mundo em 1910 com 2 milhões; nessa época previam subir para o dobro o que a segunda guerra mundial não permitiu. Mas a sua importância como cidade global é conferida por albergar a sede de muitas organizações internacionais (OPEP, OSCE, UNRISD; ONU; AIEA).

É fácil amar Viena ajudados pelo romantismo do Danúbio que a banha e onde apetece passear languidamente sobre as suas margens, a qualquer hora do dia. Fazê-lo num cruzeiro de fim de dia com jantar à luz das velas, atravessando comportas e perdendo o olhar nas margens, é uma experiência a não perder para todos aqueles que se entregam ao romantismo de doces momentos. Sem deixar de considerar a importância desta estrada líquida que serve de fronteira natural a dez países1 , atravessa outros dez, e se estende de oeste para este da "Mitteleuropa" por quase três mil quilómetros navegáveis. Percorrê-lo para visitar Bratislava, Praga, Budapeste ou Belgrado é uma possibilidade que leva entre uma a quatro horas. Agendei para mim e para breve esta descoberta.

Viena ama a mobilidade, o que a torna uma cidade acessível e navegável para além do rio. Uma política inteligente de transportes públicos, completamente interligada, permite a todos vienenses e não vienenses de passagem, circular fácil e livremente Por apenas um euro por dia todos podemos conquistar a cidade. E garantindo o ambiente pois é surpreendente, em período de férias, o transito ser tão curto. A mobilidade estende-se aos vizinhos generosamente, e Viena usa a sua localização no meio da europa para oferecer a preços módicos conexões com vizinhos a pouco mais de uma hora de distância levando-nos a Bratislava, Praga, Budapeste, Varsóvia. Estar em Viena permite, no mesmo dia, de comboio de autocarro ou de barco, ir e vir a banhos a Budapeste, sem deixar de atravessar a bela ponte das duas correntes ou almoçar em Bratislava, ver o castelo e regressar...

Para quem ama a música, a cultura e sobretudo a arquitetura e as artes em geral, Viena apresenta-nos para albergar e usufruir edifícios maravilhosos e museus extraordinários. Dentro e fora. Admiramos a arquitetura imperial do barroco ao neogótico, a grandiosidade da Ópera, a magnificência dos palácios desde Belvedere a Schonbrun, a extravagância interior e exterior do Museu de Fine Arts, o Leopoldo, o Albertina, o Momuk, só para citar alguns onde me perdi apaixonada. Imperativo abraçar a arte e beber a música na Ópera ou em qualquer dos pequenos teatros que oferecem espetáculos pelo ano fora.

Viena ama a gastronomia e em todo o lado se come e bebe bem, com propósito e sem presunção, mesmo que as especialidades que apregoa como suas tenham origem "fora." O Wienerschnitzel, prato nacional da Áustria, talvez inventado em Espanha ou Turquia foi apropriado com apenas o prefixo "wiener"; o bife Vienese, que conhecemos como carne vermelha cozinhada à milanêsa; o Gulassch, emprestado da Hungria, uma carne macia que se come à colher cozinhada com legumes e que os vienenses restringiram para só com cebola; e a Tafelspitz, carne de boi cozida com verduras, vinhos e temperos...

Para sobremesa, os bolos e toda a sua doçaria são fantásticos e dignos de gulosos de paladar e olhar. A Apfelstrudel, a popular torta de maça que porventura terá mesmo nascido aqui, não é certo, mas foi certamente espalhada pelos vizinhos; a famosa Sachertorte, a torta de chocolate que é o paralelo ao nosso pastel de nata em fama, tem a aqui a receita original, alegadamente guardada pela confeitaria do Hotel Sacher, mesmo em frente ao edifício da ópera. Respeitando a tradição, não hesitei em suportar a fila num dia de calor tórrido para a ir degustar no local de alegada origem. E eu até nem aprecio bolos e tortas de chocolate. Achei a experiência mais decepcionante do que comer um pastel de nata em Belém. E é possível encontrar a "sachertorte" em todo o lado, quiçá mais saborosa.

Na verdade, esta aparente confusão de origens não é uma questão, nem sequer só uma questão da gastronomia. Os vienenses ilustres viveram em várias regiões deste centrão europeu, outrora palco de vários impérios e hoje desenhado pelo conceito ficção do estado nação. Falam alemão, mas são alemães austríacos, húngaros, polacos, checos ou quê? Também aqui a coisa levou uma etiqueta resumo no final do século vinte: são europeus. E como países independentes têm a questão mais "pacificada" que os nossos vizinhos ditos espanhóis.

Voltemos à gastronomia, tema onde a controversa é mais pacífica. Para uma refeição menos apostada, temos os inúmeros cafés, as tabernas e as casas de vinho e queijo. Nem por isso menos belos e sem descurar o serviço. A minha preferência nesta primeira incursão foi para o Café Central com a sua arquitetura neorenascentista, localizado, é claro, no distrito 1, e habitando o belo Palais Fernstel; o café Sacher no hotel do mesmo nome e em frente à Opera, já mencionado e com um serviço de etiqueta não surpreendeu; o Café Demel, nas ruas de peões ao centro, também tem aficionados, mas aqui o serviço, embora promissor, no dia em que o visitei deixou a desejar.

Viena ama o vinho, e é a única cidade europeia que alega que cultiva a vinha dentro de portas. Na verdade "esquecem-se" sempre de Lisboa (não é?), este tesouro escondido que há muito deixou de ser, nem sequer dos americanos que já conseguem reconhecer o quadradinho fora do referido "país ibérico" e que estão agora a inundar Lisboa em força. O vinho vienense, esse, é apenas branco e não deixa memória, mas, nós portugueses, temos tudo de bom e melhor ainda, por isso é difícil surpreender-nos.

A maior surpresa neste domínio da gastronomia é o culto do café. Em Viena ama-se tomar café. Reza a história que depois de levantarem o cerco de 1529, as tropas turco-otomanas deixaram ficar muitos despojos, entre eles muito, muito café, que aquecia os estômagos das tropas, e a que ninguém em Viena via utilidade. Até que, um vienense que passara o cerco como espião duplo, quis ficar com ele e dispôs-se a tratar (terá aprendido disfarçado de otomano) e oferecer café de muitas outras maneiras que foi inventando e a dá-lo a conhecer aos vienenses que se renderam para sempre.

Em 2015 um estudo internacional da Mercer sobre qualidade de vida que cruzava critérios de vária ordem, políticos, econômicos, sociais e ambientais em 230 países, colocou Viena sete vezes seguidas no primeiro lugar. Como é que não se pode amar isto? Viena "is a love affair" para muitas ocasiões, e vivências. Por isso, digo, com Arnold Schwarzeneneger: "I will be back" ... soon!

Isabelina Jorge

1 Os países que fazem parte da bacia do Danúbio são: Alemanha, Eslováquia, Croácia, Bulgária, Moldávia, Áustria, Hungria, Servia, Romênia e Ucrânia