Um sonho tornado realidade, 40 anos depois

11-07-2023

Recordo-me, como se tivesse acontecido ontem… Primeiro foi a excitação de ir pela primeira vez ao teatro "à séria". Já tinha visto peças de teatro no colégio, mas nunca tinha entrado num teatro. E aquele nem sequer era como eu imaginava um teatro! Não estava instalado num monumento antigo, como o Teatro D. Maria, nem naqueles cineteatros, como o Monumental onde assisti a alguns filmes, em criança, imaginando como seria se em vez de uma projeção estivesse a ver atores de carne e osso em palco. Não, este teatro era diferente porque estava num edifício mais ou menos moderno, com uma entrada pequena e simples e com um palco que não era bem um palco…

Foi a minha primeira ida ao Teatro da Comuna, na Praça de Espanha. A peça chamava-se "A Castro" com dramaturgia e encenação do João Mota. Lembro-me bem de ver em palco o João Mota e o Carlos Paulo no papel de D. Pedro. Estamos em 1983 e eu tinha 16 anos. Lembro-me do palco nos envolver, das vozes que surgiam de todo o lado e de lado nenhum, de me sentir encantado pela forma como os personagens entravam e saíam de cena, das luzes, das vozes fortes a declamar, do amor e da paixão, da violência e da morte, do silêncio…

Foi como uma epifania. Cheguei a casa e anunciei aos meus Pais: "Vou para o teatro!" A minha Mãe, que nessa altura trabalhava no Museu de Arte Antiga e conhecia várias pessoas ligadas ao teatro achou que não era o momento certo. Recordo-me bem das suas palavras: "Para já, acabas o liceu e a universidade e depois, logo se vê."

E o "logo se vê" durou quase 40 anos. Acabei o curso de Direito, fui para Bruxelas, casei, tive o primeiro filho, regressei a Portugal, tive a segunda filha e continuei a trabalhar, primeiro no setor público e depois no setor privado. Mas o "logo se vê" da minha Mãe andava por lá… nas palhaçadas com os amigos, nos teatrinhos de Natal com os meus sobrinhos e filhos ou no enorme gozo que tinha (e tenho!) de encarnar os mais variados personagens para desespero de alguns e divertimento de outros.

Até que em 2021, surge a coragem de integrar o grupo de teatro TeatroàParte, em Telheiras. Nesse ano, ainda antes de começar os ensaios, a minha Mãe morre em setembro, mas o "logo se vê" permaneceu vivo até ao dia da estreia em maio de 2022. Esse "logo se vê" esteve vivo durante os ensaios desse ano, esteve comigo nesse primeiro dia em que me estreei como ator e tem-se mantido vivo desde então, no segundo ano de ensaios e na segunda peça em que participei em 2023.

Obrigado, Mãe.

Obrigado por esse "logo se vê" que me permitiu ter uma vida profissional fora do teatro de que me orgulho.

Obrigado por esse "logo se vê" que manteve viva a vontade de um dia fazer teatro.

Obrigado por esse "logo se vê" que me alimentou o sonho e manteve viva a minha paixão pelo teatro durante 40 anos.

Obrigado por esse "logo se vê" que me deu a coragem de entrar num grupo de teatro que me acolheu com um carinho e uma atenção absolutamente excecionais.

Obrigado por esse "logo se vê" que me sussurra ao ouvido quando aguardo o início da peça no dia da estreia.

Obrigado por esse "logo se vê" que vejo em palco quando não vejo o público na plateia.

Obrigado por esse "logo se vê" quando me concentro e procuro interiorizar o texto e o personagem.

Obrigado por esse "logo se vê" quando aprendo a escutar quem está comigo em palco.

Obrigado por esse "logo se vê" que me faz respeitar o palco e o que o meu encenador me pede.

Obrigado por esse "logo se vê" que me abraça sempre que acabo uma representação e escuto os aplausos do público.

Obrigado por esse "logo se vê" que se faz presente, agora de outra forma, quando sei que a Mãe, de onde está, me vê feliz em palco…

Obrigado!!!

Diogo Alarcão, Julho 2023.