Transições e o medo de largar o conhecido

29-09-2021

"Não é o desconhecido que nos mete medo, mas a realização de que o conhecido está a chegar a um fim." - Jiddu Krishnamurti.

Li no outro dia esta frase que me deixou a pensar.

Falamos muito no medo do desconhecido como sinónimo do medo de sair da zona de conforto.

Mas de facto, sair da zona de conforto é, como disse Jiddu Krishnamurti, mais medo de largar o conhecido do que medo de abraçar o desconhecido.

O que parece uma diferença subtil traz-nos outro nível de consciência ou da problemática da mudança, ou do problema das transições.

Temos medo de viver sós depois de um longo casamento ou temos medo de largar a vida a dois mesmo quando ela não nos serve?

Temos medo de abraçar uma outra vida profissional ou temos medo de largar a atual com todos os hábitos de anos, mesmo quando essa vida já não nos serve?

Temos medo de envelhecer ou temos medo de deixar de ser jovens?

Se o medo da mudança residir no medo do desconhecido, o que temos que trabalhar em nós é a capacidade de arriscar, a autoconfiança e a aceitação de que falhar faz parte do processo de crescimento ou, dito de outra maneira, que não há falhanços apenas aprendizagens.

Mas se o medo de mudar estiver na consciência de que "o conhecido está a chegar ao fim" então é o desapego que temos que trabalhar. E treinar o desapego, seja ele de coisas, de pessoas ou de situações, não é menos difícil.

Acredito que o desapego é como um músculo que se treina todos os dias e que se treina não com grandes medidas mas nos pequenos detalhes.

Desapegar da nossa cara-metade não é ter menos amor, é deixar espaço na relação para o caminho de cada um.

Desapegar do nosso trabalho não é não ser um profissional entusiasta e comprometido, mas assumir que a vida é mais do que apenas trabalhar, é procurar e ter hobbies, outras relações, outros interesses.

Desapegar do ponto de vista da idade não é encarar a velhice como uma fatalidade, mas também não é querer contrariar o processo normal de envelhecimento querendo "ser jovem à força" num comportamento de negação. Se nos desapegarmos da noção de que temos que ser eternamente jovens, mais depressa e melhor trabalharemos a longevidade, o envelhecimento ativo, saudável e feliz.

Medo do desconhecido e medo de largar o conhecido são duas perspetivas diferentes e acredito que os dois medos possam coexistir. O importante é saber distinguir e identificar qual o medo mais forte em nós e agir em conformidade.

Ainda acerca do desapego, relembro o epitáfio que Miguel Sousa Tavares escreveu, quando da morte de sua mãe Sofia de Mello Breyner, e que ainda hoje me serve de guia.

"(...) E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Não somos donos de nada e nada será nosso para sempre.

Se tivermos consciência desta impermanência das coisas estou certa que as nossas transições serão um pouco mais fáceis.

Hélia Jorge