O que o caminho me ensinou
Ao que vamos?
Ninguém vem simplesmente ao caminho de Santiago. Há sempre um motivo para o fazer. As motivações que levaram cada um de nós a empreender esta caminhada são múltiplas e variadas. E só cada pessoa as conhece verdadeiramente.
Foi a religiosidade, a descoberta, a aventura, a companhia, o testar até que ponto seríamos capazes? Provavelmente um misto de algumas destas razões.
Mas, uma vez em marcha, só podemos ir até onde o Caminho nos quiser levar.
É ele que dita as regras ao longo da nossa jornada, dos dias que nos parecem mais bonitos e alegres em que as paisagens se revelam mais verdes e inebriantes, em que interagimos mais com outros peregrinos, ou daqueles mais cinzentos em que sentimos o desconforto, a dor, o desânimo e a vontade de ficar por ali.
Meditar sobre a nossa vida e a dos nossos familiares, sobre este local e o Mundo, sobre as gentes, sobre as semelhanças e diferenças relativamente ao nosso país, mas fundamentalmente discorremos sobre nós próprios.
Surgem-nos até algumas perguntas incómodas: "mas, para que é que eu me meti nisto?" ou, "já tinha idade para ter juízo!".
Fazendo o balanço final desta jornada tenho que admitir que me surpreendeu pela positiva, que nos permitiu comprovar a importância da organização, da solidariedade e da entreajuda; testar a nossa resistência e resiliência e fazer um salutar exame interior.
Confesso, porém, que não possuía ainda um ritmo próprio estabelecido e que me preocupei algumas vezes mais com a distância a percorrer do que apreciar e conhecer com mais detalhe os locais por onde passámos.
Olhei muito à volta e em frente, admirei a natureza nas mais variadas formas: as matas e os rios, as flores, as castanhas e as bolotas do caminho, mas não tive ocasião de olhar mais para cima, de "olhar" em vez de "ver" e de inspirar reflectindo de forma mais profunda.
Assim, terei de voltar ao Caminho, partindo talvez de um outro lugar, mas almejando chegar novamente ao Obradoiro.
Alguém me acompanha?
Lisboa, 6 de Novembro de 2021
José Aleixo Dias(1)
(1)O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico
Leitura de referência:
"Os nove caminhos de Santiago de Compostela" - Carlos Figueiral Azevedo; Paulinas Editora, 2019