Sobre o monge e a vaca - parábola taoísta 

15-04-2021

Um mestre sábio e o seu discípulo caminhavam por uma montanha em direção a um mosteiro onde iriam permanecer durante um ano. Com a aproximação da noite procuraram um lugar onde pudessem pernoitar. Logo adiante avistaram uma casa isolada, simples e de madeira. Na casa vivia um casal humilde com três crianças. A família andava descalça, com roupa suja e a desfazer-se. O dono da casa, extremamente solícito, recebeu-os de bom grado. Repetidas vezes se desculpou, ora por não poder servir mais do que um pouco de leite para o jantar, ora por não poder oferecer mais conforto tendo apenas um chão forrado com palha para os viajantes passarem a noite. Contudo, para o Monge e seu discípulo, era suficiente. 

Na manhã seguinte, antes de os visitantes seguirem viagem, o casal serviu o desjejum. Na mesa havia somente um pouco de leite, queijo e manteiga. O monge, intrigado, indagou: " Observei que neste lugar não há sinal de comércio ou trabalho. Também não vimos nenhuma plantação. Como é que vocês conseguem sobreviver aqui?" O dono da casa respondeu: "Temos uma vaquinha milagrosa que repousa atrás da casa. Com o leite que ela nos dá, conseguimos produzir alguns alimentos para nós e vivemos do pouco que resta e que conseguimos vender. 

Prontos para retornar à jornada, os viajantes agradeceram à família que os recebera e partiram. Porém, em vez de seguir viagem, após alguns metros de caminhada, o monge contornou a pequena casa à procura da vaca. Soltou-a e ordenou ao seu discípulo: "Mata-a!". Apesar de incrédulo, o discípulo obedeceu atirando a vaca de um precipício que havia mais adiante. "Mestre, acabaste com o único sustento da família que nos recebeu tão gentilmente", disse o discípulo indignado. Mas o Mestre não disse nada. 

Um ano depois, Mestre e discípulo abandonaram o mosteiro regressando pelo mesmo caminho. O discípulo que não se tinha esquecido do incidente, pensava na maneira de pedir desculpa à família. Ao chegar ao local, porém, o discípulo ficou surpreendido: Em vez da casa de madeira havia uma grande casa, pintada, havia plantações e um bonito jardim, galinhas andavam por ali e as três crianças brincavam fortes e cheias de energia. O monge, então, decidiu chamar a família e pedir uma refeição. O dono da casa, bem vestido, reconheceu-os, atendeu-os com um grande sorriso e serviu-lhes um belo banquete. Ao ver a sua surpresa, o dono da casa contou: "A nossa vaca, que era o nosso único sustento, caiu num precipício. Ao princípio entrámos em desespero, mas rapidamente fomos obrigados a procurar outras fontes de rendimento. 

Descobrimos capacidades que não sabíamos que tínhamos, e aos poucos fomos evoluindo e aprendemos a plantar e cultivar diversas frutas e hortaliças e a comercializá-las lá na cidade. Assim, e apesar da perda da nossa vaca, hoje temos uma vida muito melhor do que antes." 

Esta história podia ser a história de muitos de nós. Todos nós temos uma vaca, ou várias vacas na nossa vida. Qualquer coisa que se torna um obstáculo ao nosso crescimento emocional, material ou espiritual e, porque nos habituámos a ela, porque nos é confortável ou porque acreditamos ser a nossa única fonte de sobrevivência, não abandonamos. Essa vaca pode ser um relacionamento, um emprego, uma mentira que alimentámos, uma mágoa, uma doença, uma crença, ... E o que às vezes parece ser uma tragédia, pode na verdade, ser uma porta aberta para uma grande oportunidade. E pode também acontecer que nós próprios sejamos a vaca de outros, como um aluno no episódio de Merli acabou por descobrir. 

Neste período que vivemos, para alguns de nós, a vaca vai cair do precipício. Outros porém, aqueles a quem este período de quarentena tenha ajudado a refletir, vão descobrir a sua vaca e eles próprios vão matá-la. 

Como dizia Gregg Braden, este é o tempo da "Grande Mudança" é o tempo de mandarmos as nossas vacas para o precipício. Hoje, a "viagem" foi por aqui, a pensar nas vacas que já matei e naquelas que ainda tenho que matar. 

E tu, sabes qual é a tua vaca?


Hélia Jorge