O meu amigo da CIA

11-07-2023

Se houve coisa boa na vida de jornalista, foi a oportunidade de ter conhecido gente muito interessante. No início da década de oitenta do século passado, mais precisamente em Dezembro de 1982 acompanhei enquanto jornalista da televisão (na altura só havia uma) uma viagem oficial a Washington, de Pinto Balsemão como primeiro ministro de Portugal. Era Presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e vivia-se em plena guerra fria.

Naquela época não tínhamos correspondente permanente em Washington, nem delegação nos Estados Unidos. Aliás as viagens eram caras e o satélite ainda mais, pelo que as chamadas unilaterais (aluguer de segmento espacial ponto a ponto pelos operadores de televisão) era usado com muita parcimónia e aproveitado até ao segundo os dez minutos de que dispúnhamos normalmente para o envio do material filmado, com equipas alugadas e enviado a partir de estúdios de televisões locais. Assim foi também nessa visita.

Recordo-me que nevava em Washington, faltavam duas semanas para o Natal e a cidade estava coberta de decorações natalícias como só os Americanos o sabem fazer.

Fomos convidados para um jantar na Embaixada de Portugal em Kalorama Road onde era nosso Embaixador Leonardo Mathias. O jantar era oferecido por Balsemão e em que estaria o então vice-Presidente o velho Bush e a sua mulher Bárbara, entre outros convidados. Fomos avisados de que o traje era de cerimónia, ou seja, "tuxedo".

Como obviamente não leváramos smoking, o Miguel Almeida Fernandes que ia pelo Expresso e eu, fomos alugar um algures na cidade. Lá nos vestimos a rigor, com as mangas chegando às pontas dos dedos e camisa dois números acima. Na sala de jantar da Embaixada procurei o meu lugar e como é de bom tom saudei os meus vizinhos de lado. Um deles era uma figura notável. Quase dois metros de altura, nariz pronunciado e fumava charuto. Falava bem Português expressando-se com sotaque Brasileiro. Era um bom conversador e falava muito. Disse-me que falava sete línguas (vim mais tarde a saber que era verdade) e que servira como tradutor, muitos Presidentes dos Estados Unidos em conversações importantes. Falou-me de Portugal, da revolução que seguira ao detalhe no tempo em que fora vice-diretor da CIA, e disse-me que visitava o nosso País amiúde porque a sua irmã era muito católica e tinha especial devoção por Fátima. Mas sem que lhe perguntasse alguma coisa e mesmo sabendo que eu era jornalista, continuou a contar-me inúmeras histórias qual delas a mais extraordinária. A dada altura disse-me que era adido militar em Paris quando teve de ir ao Eliseu pedir ao Chefe de Gabinete do Presidente o Mirage Presidencial e foi de "jatinho" a Frankfurt para aterrar minutos antes do avião de Kissinger e desviá-lo para Paris para um primeiro encontro com o delegado do Vietname de Norte, com vista ao acordo de paz que se veio a celebrar. Confesso que estava incrédulo e cada vez mais desconfiado daquelas histórias.

E acrescentou: -" imagine meu amigo que o Dr. Kissinger não podia ter o encontro num hotel porque a media estaria atenta pelo que o levei para o meu apartamento. E a minha empregada que era uma Portuguesa, disse-me à noite quando regressei a casa…sabe aquele seu amigo que esteve aqui com o "chinês" é muito parecido com um senhor americano que aparece na televisão"…. O jantar continuava e ele continuava dizendo-me como tinha sido extraordinário o tempo em que dirigiu a CIA….

Regressei a Lisboa e ao fazer alguma pesquisa (não havia internet nem a ajuda do Google) confirmei que tinha estado a conversar com o General Vernon Walters, velho falcão Republicano, que fora vice-diretor da CIA de 1972 a 1976 e de facto personalidade que servira meia dúzia de Presidentes Americanos.

Fui passar o Natal com os meus pais aos Açores e quando regressei em Janeiro, tinha um aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros a informar-me que tinha vindo na mala diplomática de Washington um envelope em meu nome. Quando abri era um exemplar de "Missões Silenciosas" de Vernon Walters edição Brasileira, acompanhado de uma cativante dedicatória.

Passámos a trocar correspondência e mantivemos contacto. Já eu estava a dirigir o Centro de Televisão nos Açores quando soube que Vernon Walters tinha sido nomeado Embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Passei a enviar-lhe pelo Natal charutos Açorianos personalizados com uma cinta com o seu nome e ele retribuía-me, sabendo porque lhe tinha falado da minha ida ao Hawaii em 1978, com Macadamia nuts hawaianas forradas a chocolate.

No início dos anos noventa foi nomeado Embaixador na Alemanha. Falava fluentemente também o alemão e em declarações de então, previu para cinco anos a unificação Alemã. Estava certo. Foi o seu último posto diplomático. Reformou-se pouco tempo depois e foi viver para a Flórida.

Faleceu em 2002 com 85 anos em West Palm Beach. Na altura Winston Lord antigo Presidente do Conselho de Relações externas que acompanhou Kissinger nas negociações de Paris com o Vietname disse: "… Ele foi grande como o nosso James Bond fazendo-nos entrar e sair secretamente e dando-nos mesmo nomes de Código…"

As condições da sua morte foram no mínimo estranhas. Foi encontrado morto em sua casa onde vivia só. Na véspera, contava então um jornal da Flórida, teria dado uma entrevista a uma televisão Francesa em que se referia aos contactos secretos Americanos com visitantes extraterrestres.

Nunca consegui confirmar essa última história extraordinária do meu amigo vice-director da CIA.

José Maria Lopes de Araújo, junho de 2023