Todas as pessoas têm um herói, o meu chama-se Normax!!!

15-04-2021

Hoje o meu amigo e professor Norman Maxfield, Normax para os amigos, faz 95 anos!!!

Conheci-o em 1999, foi o meu professor de "Gestão Criativa", a última cadeira semestral do meu MBA, na Open University Business School.

As universidades britânicas são muito formais e convencionais. Foi pois com surpresa que vi um velhinho de 76 anos (sim, eu sei que a noção de velho muda com a idade...) apresentar-se como nosso professor, vestido de uma forma descontraída e dizer-nos:

"No fim desta cadeira nada na vossa vida será mais igual. Os meus alunos ou mudam de emprego, ou mudam de companheiro(a) ou são promovidos."

E isso aconteceu, de uma forma ou de outra, com todos nós. No meu caso, fui promovida na IBM, onde ainda trabalhei mais 17 anos, e continuo com o Tomaz, o meu companheiro de sempre.

Mas o que o Normax queria dizer é que nos ia ajudar a ver o mundo por diferentes perspetivas e isso iria, inevitavelmente, questionar a nossa forma de estar e de viver e levar-nos à mudança.

É disso que trata a gestão criativa, explorar novas vias, abrir a mente para outras alternativas, questionar o status quo.

"Quando foi a última vez que disseste ao teu companheiro que o amas?"

???? O que se passa aqui? Era suposto estarmos num mestrado em gestão, não numa terapia conjugal...

"E não digas que ele já sabe, o amor constrói-se todos os dias."

Bem verdade!!

E continuou por aí fora... E no final tínhamos trabalho de casa:

"Vai para o emprego por um caminho diferente do habitual, a uma hora diferente ...,

Ouve uma música que nunca tenhas ouvido,

Experimenta uma comida que nunca tenhas comido,

Cheira algo que nunca tenhas cheirado,

Fala com uma pessoa com quem nunca tenhas falado..."

Este despertar dos sentidos foi o meu guião nos dias que se seguiram.

Impressionante como nunca me tinha apercebido do som dos pássaros pela manhã, a caminho da IBM, naquelas laranjeiras da Avenida da Igreja, nas cores do céu pela manhã, da cara da pessoa que todos os dias me servia o café...

Tivemos o privilégio de ter um encontro em Cambridge onde, pela mão do Normax, experimentámos Tai-Chi, escrita criativa, hipnose (veio daqui o bichinho que me fez tirar o curso de Hipnoterapia quinze anos mais tarde), muitos exercícios de confiança e de estratégia, de olhos vendados...

No nosso último dia de aulas, e antes do jantar de gala, o Norman decidiu dar-nos um presente. Pediu-nos que desenhássemos numa folha grande de papel qualquer coisa que incluísse uma casa, um rio, uma árvore, uma serpente. Cada um fez o seu desenho, eram todos completamente diferentes.

Depois expusemos os desenhos e o Norman virado de costas para nós foi interpretando cada desenho, lendo o nosso presente, o nosso futuro. Impressionante como ele conseguia falar tanto de nós só por um simples desenho.

Já estávamos atrasados para o jantar mas o Norman ainda propôs:

- E se fizéssemos algo mesmo diferente esta noite? Os jantares de gala são chatos! Podíamos entrar na sala em fila indiana, de olhos vendados e a cantar. Cada um segura o ombro do colega da frente e eu, claro, vou à frente a guiar-vos.

Vai ser despedido e nós expulsos, pensei, mas todos aderimos com entusiasmo.

Imaginam a sala de jantar de Hogwarts da série Harry Potter e um bando de malucos a entrar a cantar de olhos vendados? Pois foi o que fizemos e durante o jantar fizemos muito mais coisas consideradas não convencionais e inapropriadas para uma universidade britânica. Mas divertimo-nos imenso!!! De vez em quando, do fundo da sala, vinha um ar reprovador dos outros professores, sobretudo os mais antigos, e um olhar invejoso de alguns dos alunos que dariam tudo para estar naquela mesa a rir como nós.



 

O Normax dizia que ia morrer em 2002, no ano em que faria 80 anos, e até tinha dia marcado. Não que estivesse seriamente doente, para além das dores de costas de que se queixava, estava bem. Provavelmente achava que o fim estava perto e, como quem não quer deixar a vida por mãos alheias, marcou data. Mas dizia aquilo com a serenidade de quem já viveu muito, se sente de "missão cumprida", e que sabe que até esse dia irá sugar o tutano da vida.

Acabei o mestrado e perdi o contacto.

De vez em quando pensava: Onde estará o Normax? Será que ainda está vivo?

O velho e-mail já não funcionava, mas a realidade é que nunca me empenhei verdadeiramente em descobri-lo. Por preguiça, ou porque às vezes é mesmo assim, deixamos escapar pelos dedos, como gotas de água, as coisas importantes da nossa vida.

Em Junho de 2014, descobri um vídeo no YouTube de um estudo feito por uma universidade sobre a felicidade e o poder da gratidão.

Para esse estudo, foram escolhidas várias pessoas, a quem foram feitas várias perguntas para aferir, numa escala de 0 a 10, o seu grau de felicidade. Em seguida, foi-lhes pedido para pensarem numa pessoa, viva ou não, que tivesse tido um impacto positivo na sua vida e para escreverem essa história numa espécie de carta de gratidão. O passo seguinte, e de que os participantes não estavam à espera, foi telefonar para essa pessoa e ler a carta em voz alta. As reações foram as mais variadas. No final, o mesmo questionário foi feito e concluiu-se que quando expressamos gratidão o nosso índice de felicidade aumenta significativamente.

Achei profundo e poderoso e também quis experimentar.

Tenho felizmente muitas pessoas na minha vida que me impactaram positivamente: os meus pais, os meus irmãos,... e muitas outras mais, mas foi do Normax que me lembrei logo.

Não está vivo de certeza, pensei. Tinham passado 12 anos da sua morte planeada.

Mas em 2014 já havia Facebook e não custava tentar. Pesquisei por Norman Maxfield e ... surpresa, surpresa, lá estava ele.

Não tinha a certeza, ainda assim, que ele estivesse vivo, a sua página tinha pouca atividade, mas decidi enviar-lhe a minha "carta" de agradecimento por mensagem privada de Facebook. Nela explicava como ele tinha mudado a minha vida.

Mesmo que não me respondesse, mesmo que já não estivesse vivo, já tinha valido a pena ter escrito a carta. Escrever a carta criou em mim um estado de comoção, de gratidão, de consciência do que realmente é essencial, do que nos torna especiais, uma sensação de plenitude, de alma cheia.

Passados poucos minutos recebo uma resposta:

"Hi Helia, you've made my day!!!"

Era o Norman e estava vivo!!!

Senti-me de tal modo emocionada que o meu coração começou a bater como um cavalo a galope e vieram-me lágrimas aos olhos, e quem me conhece sabe que eu não sou de lágrima fácil.

E falámos, contou-me como tinha dado aulas até 2002, altura em que a mulher teve um acidente e ele largou tudo para cuidar dela. Quando a mulher faleceu, em 2007, voltou a estudar numa Universidade on-line, a "Future Learn". Tinha 85 anos...

Fez questão de me dizer que ainda estava bem física e mentalmente.

Senti-me tão feliz por este reencontro e por ter tido a oportunidade de lhe agradecer. Foi uma felicidade que perdurou durante muito tempo. Ainda hoje, ao escrever estas palavras me emociono.

Desde essa altura falamos de vez em quando, pelo Natal, nos nossos aniversários.

Há uns dias mandou-me uma mensagem, tinha ouvido as notícias sobre Pedrogão Grande e queria saber se eu e os meus familiares estávamos bem e em segurança.

Neste momento que faz ele? Caminha 3 milhas por dia e está a fazer dois cursos de Filosofia na Universidade de Edimburgo.

O Normax é a prova viva de que envelhecer não tem que ser um problema mas pode ser em vez disso um estado de iluminação, de "enlightment" como ele diz.

Happy Birthday Normax, with love and lots of hugs, this is for you!!!

Hélia Jorge