Kintsugi

Kintsugi - Recomeçar com Ouro nas Fendas
Há momentos na vida em que nos sentimos como um vaso que caiu sem aviso, estilhaçados por dentro, rachados por fora, sem perceber muito bem onde termina a dor e começa a mudança.
Cada transição seja profissional, pessoal, emocional ou espiritual tem esse instante em que tudo parece demasiado frágil para continuar. E ainda assim, continuamos.
Os japoneses chamam kintsugi à arte de reparar a cerâmica partida com laca e ouro. Não escondem as fendas; iluminam-nas. Não disfarçam os golpes do tempo; transformam-nos na parte mais valiosa da peça. O resultado não é um objeto remendado é um objeto renascido, mais belo precisamente porque foi quebrado.
Recomeçar assemelha-se muito a isso.
Quando um ciclo termina, e o início de um novo ano lembra-nos sempre essa possibilidade, não começamos do zero. Começamos com tudo o que fomos, com todos os cacos que recolhemos ao longo do caminho: as escolhas felizes, as quedas, as curvas inesperadas, os medos que enfrentámos, as perdas que nos ensinaram. Cada pedaço carrega uma história, cada história carrega uma força.
O kintsugi convida-nos a manter cada
fragmento, não por nostalgia, mas por sabedoria.
É com eles que criamos o próximo capítulo.
Para quem atravessa mudanças profundas como a aproximação da reforma, uma mudança de vida, uma decisão tardia, ou simplesmente o acordar para um caminho novo o kintsugi lembra que não há recomeço sem continuidades. A vida não apaga o que vivemos; devolve-o a nós em forma de aprendizagem, de ouro líquido que une o que parecia irremediável.
Recomeçar não é voltar ao que era.
É seguir adiante com mais consciência do que vale a pena levar.
As nossas cicatrizes não retiram valor ao que somos; acrescentam-lhe profundidade. São provas de que tentámos, lutámos, crescemos. São marcas de que ousámos viver. Tal como na cerâmica reparada, a força não está na parte intacta — está no lugar onde quebrámos e onde decidimos reconstruir.
Assim, ao entrar num novo ano, podemos acolher a metáfora do kintsugi como um novo plano de ação e:
- Recolher os nossos pedaços com cuidado.
- Reconhecer o que partiu, sem vergonha nem pressa.
- Unir cada fragmento com o ouro das aprendizagens.
- Permitir que o próximo passo surja claro, como um caminho que não se inventa, mas se vai revelando.
Porque recomeçar a sério não é esquecer.
É integrar. É honrar o que vivemos. É permitir que a vida nos restabeleça.
É por isso que este momento, entre o fim de um ano e o nascer de outro, é um bom momento para recomeçar, um recomeço que não apaga a história, mas que a transforma em ouro para que as decisões do novo ano nasçam não do que falta, mas da força do que já vivemos.
Ana Paula Melo
Dezembro/2025
