Hino aos Amigos
Quando nos casámos, tínhamos um grupo de amigos enorme. Era raro o fim de semana em que não houvesse festança! Após o nascimento dos filhos continuámos a conviver, pois os rebentos andavam todos nas aulas de ténis no clube onde os pais iam jogar. As mães ficavam em alegre cavaqueira na esplanada. Geralmente almoçávamos por lá, mas a união prolongava-se pela tarde e muitas vezes pela noite, saltitando de lar em lar. Os miúdos, estafados, adormeciam, e nós continuávamos o convívio até às tantas.
Na altura não havia encomendas de comida online, pelo que, cada um ia fazendo os petiscos da sua especialidade que juntávamos para partilhar, no meio de risadas e quadras à desgarrada. Uma noite, na casa de um de nós na outra banda, após termos esgotado o repertório de anedotas, passámos à música. O som compassado da viola dava suporte às letras de fados e canções que estavam na berra. A dada altura começámos a cantar a Canoa do Tejo do Carlos do Carmo. Porém, havia sempre alguém que se enganava no verso ou no tom, pelo que, decidimos fazer uma formação alinhada em fila indiana e remar para chamar a inspiração. Fazíamos de propósito para dar bronca e repetir. Cantámos aí umas 20 canoas. A certa altura alguém comentou:
Estão admirados? Então, como é que numa canoa podíamos ir a par?
No verão íamos sempre de férias com um desses casais para o Algarve e ficávamos alojados numa aldeiazinha: S. Bartolomeu, que distava 2Km da Praia do Cabeço, onde reinavam osgas e camaleões. Levávamos para a praia um farnel a preceito e barraca para montar. Era uma carga de trabalho, mas sabia bem, e nada custava. O António era especialista em bridge. Púnhamos as crianças a dormir e jogávamos até de madrugada. Não sei como aguentávamos o dia seguinte, mas o corpo era jovem e resiliente.
O convívio prolongou-se por muitos anos, os filhos foram crescendo. Houve mudanças de casa, trabalhos mais absorventes e, lentamente, a festa foi esmorecendo. Mas a amizade verdadeira nunca morre! Graças a Deus e ao destino, encontrámos novos amigos e formámos um novo grupo que agrega também alguns dos antigos resistentes.
Fiquei com a alma brilhante por os receber em nossa casa.
Foi o renascer da alegria! Foi uma noite maravilhosa em que as gargalhadas regressaram e voltou tudo o que me tinha faltado. Obrigada!
Que noite boa, como nos velhos tempos.
E agora que recomeçou, vai continuar; ai isso vai!
Veio ter comigo hoje a poesia.
Há quantos anos? Desde a juventude.
Veio num raio de sol, num murmúrio de vento.
E a ilusão que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me a antiga plenitude
que já não invento. (...) (1)
Reinventámos a plenitude porque conviver alimenta mentes e almas brilhantes, sendo esse um dos lemas da Transições!
(1) Vergílio Ferreira, in "Conta-corrente"
06/02/2022
Lurdes Aleixo Dias