Hélia Jorge (2)
Somos fios de uma mesma teia
Muito se fala em diversidade de género, de raça, de opção sexual, de religião, muito se fala em intergeracionalidade, mas, de repente, ocorre-me que essa pode não ser a questão.
Há muitos anos quando os meus filhos eram adolescentes e já saiam à noite perguntei "então, hoje vão sair?" Para meu espanto, o meu filho mais velho deu-me uma lição sobre o "sair à noite", explicou que havia dias em que saíam os que estavam no liceu e outros em que saíam os da universidade. Também havia, claro, os bares onde iam uns ou outros e bares mais "para o pessoal dos 30s" que, para ele, nessa altura, eram os "velhotes" .
Anos mais tarde visitámos a Escócia em família e fomos os 4 a pubs onde podíamos ver gente de todas as idades, desde os adolescentes até aos idosos (leia-se 70s para cima), mulheres ou homens, sozinhos ou em grupo, de fato e gravata ou de calça de ganga e t-shirt. Um ambiente que só nós achávamos estranho e onde se cantava muito e ainda se bebia mais :).
De férias em Bergen, na Noruega, fomos com os filhos a um bar ouvir música ao vivo. Um casal que comemorava os seus 10 anos de casados, e que saía, pela primeira vez, desde que tinha tido filhos, convidava toda a gente para a sua mesa e oferecia as bebidas. Conversa puxa conversa aperceberam-se que aqueles dois jovens que nos acompanhavam não eram nossos amigos, mas sim nossos filhos. Vocês saem à noite com os vossos filhos? Sim, porque não?
Dediquei algum do meu tempo na causa de dar voz às mulheres, particularmente em contexto profissional, mas não só. Curiosamente, fui-me apercebendo que, num lado mais pessoal, ou de lazer, são as mulheres que mais se chegam à frente.
Nas várias atividades em que tenho participado há sempre muito mais mulheres que homens quer seja na prática de yoga, dança, escrita, desenho, encontros literários, debates sobre os mais variados temas, caminhadas.
Onde andam os nossos homens, perguntava eu no outro dia? Sim, eu sei que nós somos mais, mas será só isso? Na Transições não fugimos à regra, somos 70% mulheres e 30% homens e quando falamos na participação em atividades o número sobe para os 90% de mulheres.
Pratico Biodanza há 6 anos e no início quase não havia homens. É com grande satisfação que vejo que cada vez mais chegam homens às nossas aulas, ainda assim na ordem dos 30%.
A Biodanza é uma dança de emoções e os homens, por educação, têm mais dificuldade em expressar as suas emoções, em se mostrar vulneráveis. São ensinados a ser fortes, sendo que ninguém nos ensinou que a vulnerabilidade é uma força, vejam o Ted Talk "O poder da Vulnerabilidade" de Brené Brown, por favor.
E vai levar gerações, se não educarmos os nossos filhos de forma diferente, se não deixarmos de pensar e dizer que "um homem não chora", que "o homem é o sustento da casa".
Para mim a Biodanza tem sido o melhor exemplo de diversidade. Na minha aula temos mulheres e homens, idades entre os 17, o nosso querido Vicente, e os 71, a Leninha.
E porque temos mais diversidade agora?
Porque uns foram puxando os outros, pais que trazem os filhos, filhos que trazem os pais, colegas que trazem amigos homens.
Mas sobretudo porque teve que haver quem começasse, os pioneiros que dão o exemplo; o Vicente que não teve medo de vir para uma aula de "velhos", a Leninha que não teve medo de vir para uma aula de gente jovem, o Orlando que não teve medo de vir para uma aula onde quase só havia mulheres.
Na Biodanza também não temos cartão de visita, não sabemos o que cada um faz ou professa porque não é isso que nos define. Se soubéssemos antes, se conhecêssemos esse cartão de visita talvez não nos sentíssemos tão em união, íamos com certeza dividir-nos em caixas.
Este também é um tema, quando se entra em transição temos que lidar com o impacto da "perda do cartão de visita", como se o cartão fosse a nossa identidade, mas isso daria outro artigo.
Diz-se que a interageracionalidade melhora a saúde dos idosos, que o ambiente das empresas onde a diversidade de género é mais equilibrada, é mais saudável, que a diversidade de orientação sexual torna as empresas mais competitivas.
Mas será que esse deve ser o nosso objetivo? Será que devem ser estes os princípios que nos norteiam?
Não quero mudar o mundo, já passei a fase em que achava que isso era possível. Não quero arrastar pessoas para as minhas causas.
Hoje, apenas me quero mudar a mim.
Acredito que todos temos algo para dar e receber.
Acredito que somos todos fios de uma mesma teia. Tão finos na nossa sensibilidade, mas tão fortes quando tecidos uns nos outros.
Acredito que todos somos um.
Acredito que quando substituímos as palavras diversidade ou intergeracionalidade por humanidade, abrimo-nos à mudança.
E quando nós mudamos, o mundo muda à nossa volta.
Hélia Jorge
Julho 2023