Esperança

09-03-2023

Passeando ao sol, bem acompanhada de amiga de uma vida (pois é, conhecemo-nos em 1978, 44 anos é um pouco menos de dois terços do que já vivi) e de Miss Davidson, uma genuína representante do nosso melhor amigo, envolvida por afetos e pela brisa, fui apreciando as dunas e algumas das esplanadas que confrontam o mar e, do lado oposto, as vivendas, hotéis e jardins. Um pouco mais longe, pequenas casas de pescadores e anexos, assim como os barcos de madeira, de pintura tosca e ressequida pelo calor e pelo sal.

O areal, o mar e o horizonte finito aos meus olhos, mas cheio de promessas, de mistério e de um "para além de" todos os dias desbravado pelos olhos mentais da ciência, da tecnologia que criamos, reinventamos, e dela fazemos nosso prolongamento de conhecimento, de compreensão do universo e de nós. Como a consciência do espaço, do que nos rodeia, me fez sentir humilde e poderosa.

Ia eu nestas conjeturas, entrecortadas pelos diálogos casuais e as brincadeiras do bicho, quando uma pequena mancha de cor agitada pelo vento me fez parar e desejar o registo, não só na minha mente, mas no tempo. Hoje, com este apêndice do qual sentimos a falta mal saímos e voltamos atrás para o trazer (e quando não o fazemos, passamos o dia a flagelarmo-nos com o esquecimento), foi de imediato a captura da presença.

No canteiro, coberto por gravilha, finas hastes despontavam de folhas rentes ao chão, num ato de renascimento, de poder, de vida. E de rebeldia, como que a indicar que podemos modificar, controlar, mas a espontaneidade, o fortuito, o inesperado, acontece, está sempre a acontecer, desde que não estejamos cegos de convencimento e não vejamos o subtil evidente.

Esta pequena mancha de cor fustigada pelo vento, frágil mas flexível, quase translúcida, semente que rebenta da terra com uns pingos de chuva, aparentemente fora do seu ciclo (estávamos em fevereiro), afirma-se, não quebra. Como a consciência da beleza, me fez sentir única e absoluta, parte de um todo, tão enigmático mas fluido, mergulhando no que a vida tem para me oferecer.

Obrigada papoila. Há esperança.

À amizade e à fraternidade.

Alexandra Carvalho

2 de março de 2023