Divagações sobre prevenção e planos de fuga

11-06-2023

Sempre que chego a um novo quarto de hotel, a minha primeira preocupação é traçar dois planos de fuga: o principal e o alternativo, no caso de haver fogo, ou qualquer outra emergência. Gasto nisso algum tempo, mas nunca o considerei perdido.

Há cerca de quarenta anos, deflagrou um fogo no andar que se situa por cima do nosso, em Lisboa. Foi com a ajuda de outro meu vizinho que o atacámos na sua fase inicial, com tudo o que tínhamos à mão, tendo nós conseguido dominar o essencial e ficando aos bombeiros (que chegaram 30 minutos mais tarde) apenas o rescaldo.

No primeiro dia que cursei a Universidade de Londres numa pós-graduação em 1986, depois de nos apresentarem as instalações e os professores, tivemos de imediato um ensaio em como proceder num simulacro de fogo. Felizmente que nunca passei por uma situação real deste tipo na Universidade, mas safei-me de boa, quando do incêndio na estação de metro de Kings Cross, no ano seguinte, onde morreram 31 pessoas.

Na minha antiga empresa realizávamos simulacros regulares, nos quais se procedia à total evacuação de centenas de pessoas do edifício e se possível de alguns equipamentos. Estas actividades eram coordenadas com a força de bombeiros locais e efectuavam-se com grande rigor e avaliação de desempenhos. Defendi igualmente a aquisição de um desfibrilhador e a preparação de uma equipa interna distribuída pelos vários pisos, para prestar cuidados básicos de suporte de vida e o poder aplicar, em caso de necessidade. Percebemos com a experiência que para as coisas correrem com fluidez e se adquirirem hábitos de rotina, a equipa tinha de ser submetia a 3 a 4 exercícios anuais, sem aviso prévio.

Felizmente nunca tivemos que actuar in loco, mas um dia, fomos a Palmela frequentar um curso de condução defensiva no Kartódromo local e um dos instrutores sofreu um enfarte do miocárdio após o almoço, caindo pelas escadas e quase falecendo. O doente foi assistido por um colega seu e por colegas nossos, em suporte básico de vida (massagem cardíaca e ventilação) durante 22 minutos, tendo sido possível manter-lhe os sinais vitais até à chegada da VMER do INEM, que usou o desfibrilhador, aplicou adrenalina e lhe salvou a vida.

Sou o mais velho de três irmãos, que ficaram várias vezes à minha guarda e que se perdiam com alguma frequência. Habituei-me, pois, a indicar-lhes pontos de referência onde se deviam dirigir se tal acontecesse: normalmente a cadeira do banheiro, a bola azul da Nívea ou, em última instância, ao vendedor Bola de Berlim.

Aos meus quinze anos, durante uma peregrinação a Fátima, ajudei uma mulher que lavada em lágrimas se tinha perdido da camioneta onde viajara e não encontrava os seus familiares. Não havia telemóveis nesses tempos. Eu ia fardado de Pupilo e a senhora pensava que eu era alguma autoridade, pelo que não me largava a mão. Demos volta ao recinto durante horas, para afinal perceber quando regressávamos, que a camionete do seu grupo se encontrava estacionada exactamente ao lado da minha!...

Uma manhã na Meia-praia, encontrava-me eu deitado na areia explicando aos meus netos como se actua em caso de desfalecimento, quando fui surpreendido por dois casais que se nos dirigiam, correndo, tal o realismo daquele exercício.

O acidente, por definição, é um acto fortuito, inesperado. Podemos, no entanto, prevenir as consequências de alguns deles e minimizar os seus impactos, se actuarmos em conformidade.

O que faço?

A quem recorro?

Tenho o seu contacto acessível?

Quais as alternativas?

Previna-se! Treine um conjunto de procedimentos e actue em conformidade. Não improvise no que diz respeito à segurança.

Tenho assistido ultimamente a alguns episódios de séries televisivas com Pierce Brosnan e Morgan Friedemann, sobre fugas e assaltos históricos. No que diz respeito às fugas de prisões, reparo que são gizadas evasões mirabolantes, mas falham quase sempre no último passo, já fora da cadeia: não conseguem organizar-se e desaparecer sem deixar rasto. Quanto a assaltos, é também no final, quando já têm o "bolo" nas mãos, que os maiores problemas acontecem. Será só porque o último troço é o "mais difícil de roer", ou há algum desleixo e facilitismo nesta fase crucial do processo?

Como sempre, na vida, há quem não siga a tendência comum e guarde para a este último acto várias opções de fuga, que lhe garantam o sucesso (ainda que temporário). Foi o caso de "El Chapo" Guzman, que fugiu várias vezes de prisões de alta segurança. Da última vez, era inclusivamente vigiado por câmaras 24/24 horas e conseguiu escapulir-se através do piso amovível do chuveiro da sua cela. Apoiado num extenso e bem organizado suporte externo, desceu um poço de 9 metros, montou um motociclo adaptado a uns carris, e percorreu um túnel de 1,6 kms propositadamente escavado para si, iluminado e ventilado, até um barracão situado na periferia da cadeia. Daí fugiu de moto-quatro até um aeródromo, onde apanhou um pequeno avião que o pôs a salvo. Desse aeródromo não levantou apenas um, mas dois aviões, como manobra de diversão. Notável!...

Para obter este sucesso, porém, não basta apenas planeamento.

É preciso muito "contado"!...

Nota: El Chapo foi capturado seis meses depois desta fuga e levado de volta à mesma cela. Mais tarde foi levado para os EUA, onde cumpre pena.

Lisboa, 03 de Maio de 2023

José Aleixo Dias