Dar espaço ao silêncio para serenar o coração

27-11-2021



DAR ESPAÇO AO SILÊNCIO PARA SERENAR O CORAÇÃO


Se me deito, digo: Quando é que me levanto? Se me levanto: Quando chegará a noite? E agito-me angustiado até ao crepúsculo.

Livro de Job

O estilo de vida que a grande maioria de nós vive, transforma-nos em homens e mulheres como Job: sempre angustiados com o que devíamos ter feito ontem e não fizemos, insatisfeitos com o que planeámos fazer hoje e não conseguimos, preocupados com o que queremos fazer amanhã e que sabemos de antemão que não vamos conseguir...

Esta atribulação, que nos consome o coração, torna-nos muitas vezes infelizes porque ficamos muito centrados nos "nossos" problemas, nas "nossas" angústias, nos "nossos" desafios. Estamos tão centrados em "nós mesmos", tão absorvidos com as nossas preocupações (e daqueles que nos são mais próximos) que não temos espaço nem tempo para o silêncio, para a contemplação sem hora marcada para terminar, para o conforto de um abraço demorado ou para simplesmente "estar" com um amigo, um doente ou um idoso... Desaprendemos a contemplar o nascer e o pôr-do-sol porque "já não temos tempo". Temos dificuldade em descobrir o campo e as flores porque "nas nossas agendas já só cabe um jantar e, talvez um copo, com os amigos". Deixamos de chorar e de nos emocionar porque "temos que seguir em frente".

Pois bem, Deus está, precisamente, no silêncio da oração, no fluir da meditação e também no entardecer e no amanhecer das nossas cidades e dos nossos campos, no amor e no tempo que damos aos nossos filhos, amigos e colegas, nas lágrimas que choramos quando nos comovemos ou quando sofremos com as injustiças, a doença e a morte.

Não quero com isto dizer que não me sinta bem no rebuliço, movimento, luz e som da cidade. Quem me conhece sabe bem que não dispenso (e preciso!) de uma boa jantarada ou noitada com amigos. A agitação e o stress do trabalho também não me assustam ou tornam infeliz. Antes pelo contrário, fazem com que me desafie constantemente e, dentro das minhas capacidades, procure fazer sempre cada vez mais e melhor.

Mas não chega... E é aí que entra (devo deixar entrar) Deus.

Jesus, depois da agitação de tratar, curar e salvar, tem necessidade de se isolar (no silêncio da montanha) e rezar.

Para que, como se queixa Job, não viva "agitado e angustiado até ao crepúsculo" e para que os meus dias não passem "mais velozes que uma lançadeira de tear" e se "desvaneçam sem esperança" é preciso reencontrá-Lo e pedir-Lhe força para arrumar a minha alma, a minha vida e o meu coração de forma a encontrar o espaço necessário para Ele. Só assim, poderei viver menos atribulado e ter mais tempo para os outros.

Diogo Alarcão

Texto escrito para o site do Convento S. Domingos - Fevereiro 2015

(adaptado para a TRANSIÇÕES em Outubro 2021)