Cuidar dos Cuidadores

10-08-2025

Ser cuidador familiar é como correr uma maratona sem linha de chegada. Damos, esgotamo-nos, e começamos de novo.

Mas quem ajuda os cuidadores?

Sou grata à Transições por me oferecer a oportunidade de falar sobre este tema.

"Cuidar" faz parte do meu ADN desde criança. Até aos meus dez anos, vi os meus avós cuidar de toda a família. Quando o meu avô teve um AVC, comecei a minha formação de cuidadora e com a minha irmã, ficámos encarregadas de lhe dar as sopas de café com leite.

Noutras fases da minha vida, fui confrontada com outras doenças, acidentes e, naturalmente, a dependência dos familiares ou amigos próximos.

Acabei por ganhar alguma experiência como cuidadora. Não foi escolha pessoal, mas porque a vida, muito naturalmente, me ia dando oportunidades de dar e receber ajudas. Ao longo dos anos, fui aprendendo como me proteger nas fases mais intensas do acompanhamento das pessoas queridas.

Após um rápido resumo sobre a situação geral em França, onde vivo, vou tentar partilhar algumas pistas concretas, para recuperar um pouco de oxigénio, neste percurso de luta. São fruto da minha experiência na região de Paris, onde vivo há 60 anos.

São soluções simples, mas que acho eficazes, e que eu fui testando graças aos conselhos doutros cuidadores, e dos profissionais da saúde que vivem esta realidade diariamente.

Quem são os cuidadores familiares?

Em 2025, a França conta com quase 11 milhões de cuidadores familiares. Sem eles, a Segurança social tem consciência que a área da saúde não poderia funcionar.

Em Portugal, o estatuto de "cuidador informal" conta com cerca de 1,5 milhões e o país chegou também à conclusão que algo teria de se fazer para cuidar dos cuidadores.

Estas são pessoas que ajudam diariamente um familiar em situação de dependência, seja devido à idade, a uma doença, ou a uma deficiência.

Qual é o seu perfil?

Muito variado: filhos adultos que cuidam dos seus pais/sogros idosos, cônjuges que cuidam do seu parceiro doente, ou ainda pais de crianças com deficiência.

Este papel, muitas vezes assumido por necessidade, mais do que por escolha, tem repercussões importantes.

Os cuidadores tentam manter um equilíbrio entre a sua vida profissional, a vida pessoal e os cuidados ao seu ente querido.

Resultado?

Um impacto significativo na sua saúde física e mental, na sua vida social e, por vezes, até na sua situação financeira.

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Como referi, ao longo da minha vida cuidei de muitos familiares: o meu avô, a minha avó, a minha mãe, a minha filha, neta, cônjuge e até amigos, abandonados pelas suas próprias famílias. Alguns sofriam ou sofrem ainda de doenças crónicas, outros de cancros, doenças cerebrais, bipolaridade…. Cuidei durante alguns meses, anos e com a bipolaridade, cuidarei até à última gota das minhas forças, porque é uma doença para a vida.

Como viver, cuidando?

  • Tive sempre a minha rede de apoio.

Nunca tive receio, nem vergonha de falar das doenças dos meus doentes. Diz-se que a união faz a força. Procurei apoiar-me sempre sobre outras pessoas à minha volta.

Mobilizei regularmente o meu círculo: família, amigos, vizinhos... Nunca hesitei em pedir ajuda, mesmo para pequenas coisas.

Uma mãozinha para as compras, uma hora de presença ao lado do meu ente querido, enquanto ia respirar um pouco de ar.

Pedia a alguém para me substituir uns instantes, poucos que fossem.

  • Juntei-me a grupos de conversa nos hospitais quando acompanhava os meus doentes, para partilhar as minhas dificuldades, e ouvir as dos outros cuidadores. Libertava-me bastante e o diálogo era uma fonte valiosa de conselhos.

  • No entanto, nunca aderi a nenhuma associação para ter apoio prático ou emocional.

Mas tanto em França, como em Portugal, existem instituições que oferecem frequentemente soluções inestimáveis, para os cuidadores que não tenham uma forte rede de familiares ou amigos com tempo e capacidade de escuta.

Sentir-se rodeado e compreendido pode fazer toda a diferença no dia-a-dia como cuidador.

  • Estive sempre bem informada sobre as doenças, os seus riscos e evolução. Prefiro preparar-me para oferecer no dia-a-dia a maior qualidade de vida possível. Leio artigos sobre as doenças e questiono os médicos. Também conheço os meus direitos de cuidadora, sem necessariamente os exercer. Em França, e agora também em Portugal, existe um estatuto para os cuidadores. As informações sobre condições de acesso, bem que extremamente restritas, estão disponíveis nas redes sociais (para Portugal junto no final alguns sites). Há portais de informação especializados que disponibilizam uma informação muito interessante.

  • Ser cuidadora em França tem sido para mim uma missão facilitada pelas ajudas do estado, principalmente no acompanhamento dos tratamentos paliativos em casa. A Segurança Social instala um hospital ao domicílio. Não vou dizer que nada mais há por fazer, mas evita o cansaço das idas aos hospitais, além dos tratamentos específicos. Existe também financiamento de apoio domiciliário notável para a higiene por exemplo, e entrega dos medicamentos. Aconselho que cada cuidador procure todos os meios oferecidos por Instituições publicas ou associativas que possam vir a facilitar o quotidiano no acompanhamento clínico ou logístico. Qualquer ajuda, por pequena que seja, liberta mentalmente a carga de tudo que temos sobre as costas.
  • Também aprendi a conciliar a minha vida profissional e o meu papel de cuidadora. Quando tive de enfrentar esta missão, durante muito tempo, falei sempre com a Direção do Pessoal das empresas onde exercia funções de responsabilidade. Informava a hierarquia, os colegas com quem colaborava. Quando o teletrabalho ainda não existia, mas consegui tratar dossiers em casa e mesmo obter uma linha especial para enviar os resultados. Acho que todos os cuidadores devem tentar manter um equilíbrio entre vida profissional e papel de cuidador, tanto quanto possível. E quando se torna difícil, porque não obter uma licença de cuidador que permita suspender temporariamente a atividade profissional? A lei começa a abrir essa possibilidade, bem que, pelo menos em França, as condições ainda sejam muito complicadas, em termos de acesso e remuneração. Mas pode ser uma grande ajuda em certos casos.
  • Outra pista que penso ser muito importante é: planear momentos de descanso. Quantas vezes somos levados a pensar que cuidar de nós próprios é um luxo em situações dramáticas? Com o tempo aprendi que não. Não era para mim um luxo, mas sim, uma necessidade.

Neste aspeto, também tenho tido imensa sorte. Nas fases mais agudas do meu papel de cuidadora, encontro sempre alguém para me relembrar que gosto de massagens, e que não devo de perder a estadia nas termas por causa da minha artrose, etc.

Entra então em ação a rede de apoios à minha volta para me libertarem das responsabilidades de cuidadora. E paro de o ser, por alguns dias, sem me sentir culpada…indispensável, não carregar com a culpa!

Quando ausentar-me se torna impossível, planeio micro-pausas: 15 minutos por dia, já é muito bom em certos momentos de crise. Telefono a uma ou um amigo, desabafo a minha fraqueza momentânea, leio, pinto, medito…agora também sei que quando descanso, não estou fraca de todo. Estou simplesmente a aguentar o tempo que passa.

  • Outra pista que daria, ao contrário do descanso da pista anterior, é fazer outra atividade. Deixo algumas ideias para o mimo dos cuidadores: reservar tempo para os seus hobbies, para os amigos, para ir ver um filme, para um convite de adesão a uma nova atividade. Por exemplo, eu aceitei aderir à Transições, em pleno caos emocional, entre aprender como lidar com a bipolaridade da minha filha no futuro e acompanhar o meu marido em fim de vida, as sessões online da Transições vieram libertar-me das dores no peito e na mente. Revitalizaram-me. Acabei por descansar menos…mas viver mais, para continuar a oferecer uma vida melhor, sabendo que seria curta.

Mas quem não queira aderir a nada, pode ir caminhar – sem ir longe, só ali - ou inscrever-se numa sessão de sofrologia. Existem tantas atividades hoje que possam ajudar a viver melhor, sem necessariamente serem muito dispendiosas.

Acima de tudo, nenhum cuidador deveria tentar ser perfeito.

Cuidadores! Aceitem a imperfeição, porque fazemos todos o melhor que podemos e sabemos. Cuidar de nos próprios, não é ser egoísta. É necessário para nos mantermos em forma e continuar a ajudar de maneira eficaz.

  • Aos cuidadores que não conseguem encontrar soluções, aconselho que procurem apoio emocional e psicológico. O peso emocional de um cuidador é frequentemente pesado. Participem em grupos de apoio: trocar experiências com outros cuidadores pode ser muito reconfortante.

Não hesitem em consultar: um psicólogo pode ajudar a lidar com o stress, a culpa ou a ansiedade relacionada com o papel de cuidador. Expressem as vossas emoções. Encontrem o vosso escape.

  • A última pista que eu gostaria de deixar aos cuidadores para que a vida lhes seja mais ligeira é a seguinte. Ajudar um ente querido não significa tratá-lo como um ser dependente a 100%. Promover a autonomia dos nossos doentes até ao fim, partilhar com eles algumas pequenas tarefas, proporcionar-lhes alguma independência, não é aliviar a nossa carga simplesmente.

É um gesto de amor.

Para terminar, ser cuidadora, para mim, tem sido em certas alturas, um grande desafio. Mas com o apoio da minha família e amigos com os quais partilhei as minhas dores, encontrei sempre um equilíbrio.

Mais do que um equilíbrio: uma força que me deixa sempre muito serena e confiante na vida. Ao observar a minha neta mais nova tratar do avô, com a ajuda da enfermeira, durante largos meses, sei que posso ter esperança nos valores humanos que fui semeando: viver cuidando, sem me perder.

Informação e Aconselhamento - Cuidadores 

Cuidador informal 2025: quem tem direito, documentos e requistos - As Tuas Ajudas

Associação Nacional de Cuidadores Informais

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Graça Raposo