Cêntimo mal

Sou uma simples moeda de dez cêntimos!

Olho para as notas e outras moedas que se encontram nesta caixa de pagamentos e sinto-me mal. Sou pequena, estou ictérica, perdi o brilho e sempre que abrem a caixa e movimentam alguns trocados, nunca me escolhem a mim.

Já foi tempo em que circulava de mão em mão, em que me juntava a outras minhas iguais, maiores ou mais pequenas e nos davam o devido valor.

Agora já não sei o que é o calor de um bolso confortável ou de uma carteira de calfe. Estou para aqui, parada e triste, sentindo-me inútil e rejeitada. Será que não valho mesmo nada?

Quando lançaram o €uro há vinte anos, todos me olhavam com curiosidade. Nessa altura um Euro valia 200,482 Escudos, ou como então se dizia: mais de duzentos "paus".

Depois, nos anos seguintes foram pondo em circulação outras irmãs minhas que, com o tempo, se valorizaram muito para além do seu valor facial, pelo interesse que coleccionadores do ramo lhes atribuíam. Foi assim que vi 10 cêntimos do Mónaco valorizarem-se a 36,5 €, mas não aqui. Por cá, continuo a valer os mesmos 10% do €uro.

Mantive durante algum tempo a esperança vã de poder emigrar, no bolso das calças, ou no fato de banho de um qualquer turista do norte da Europa. Mas, não! O melhor que me aconteceu foi ir até Marbella, nas jeans dum finalista do 12º ano da Figueira da Foz.

Não me valorizei, mas diverti-me à farta!

Há cerca de três meses ainda senti algum alento quando o Governo anunciou o desconto de dez cêntimos por litro de combustível para as famílias mas, afinal, isso só era possível através do Ivaucher e pronto... lá fiquei esquecida outra vez.

Como a esperança é a última coisa a morrer, pode ser que ainda me valorize com o tempo. Tive conhecimento que em 2013 se realizou em Itália um leilão, em que uma moeda de 1 cêntimo foi arrematada pela extraordinária quantia de 6600€.

Pois é!...

Não olhem por mim, não!...

Sabem lá até onde uma destemida lourinha nacarada como eu pode chegar!...

Também pensei em apelar ao Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, pois, assim como assim, sempre era um bate papo entre moedas!...

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022

José Aleixo Dias (1)

(1) O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico