Carta ao Meu Medo de Perguntar

Querido Medo Antigo,
Há tanto tempo que não falamos diretamente, tu e eu. Andas sempre por perto, é verdade, como uma sombra discreta que me acompanha nas conversas, nos encontros, nos momentos em que a curiosidade genuína bate à porta da minha mente. Interrompes-me quando estou prestes a fazer uma pergunta, quando quero saber mais sobre alguém, quando a vontade de compreender se torna quase irresistível.
Reconheço-te imediatamente. És aquela hesitação que me prende a língua quando quero perguntar "Como é que estás realmente?" em vez de aceitar o "Estou bem" automático. És a voz que sussurra "Talvez seja demasiado pessoal" quando quero saber o que há por trás de um olhar triste. És tu que me fazes engolir a pergunta sobre os sonhos que alguém abandonou, sobre aquele mexer das mãos, sobre a história por trás de uma fotografia.
Sei de onde vens. Lembro-me da primeira vez que te senti, ainda criança, quando a minha curiosidade natural foi recebida com um suspiro de impaciência. "Que menina inconveniente, sempre a fazer perguntas!" A frase ficou gravada como um aviso, como um semáforo vermelho interno que desde então controla o meu impulso de questionar.
Cresceste comigo, Medo. Alimentaste-te de cada vez que interpretei um silêncio como desconforto, cada vez que pensei que o meu interesse pela vida dos outros poderia ser visto como intromissão. Tornaste-te especialista em transformar curiosidade em invasão, interesse genuíno em inconveniência.
Mas hoje quero dizer-te algo que talvez nunca tenhas ouvido: obrigada. Obrigada por me teres protegido de ser verdadeiramente inconveniente, por me teres ensinado a ler os sinais, a respeitar os limites. Graças a ti, aprendi que há momentos para perguntar e momentos para simplesmente estar presente. Que há perguntas que se fazem com palavras e outras que se fazem apenas com atenção silenciosa.
Mas também preciso dizer-te que já não preciso tanto da tua proteção. Cresci, Medo. Aprendi a distinguir entre curiosidade invasiva do interesse genuíno. Sei agora que há pessoas que esperam desesperadamente que alguém lhes faça a pergunta certa, que se interessem verdadeiramente pela sua história, pelos seus sonhos, pelas suas dores.
Quantas histórias perdemos, tu e eu, por medo de sermos "demasiado intrusivos"? Quantas ligações deixámos escapar porque preferimos a segurança das conversas superficiais? Quantas vezes alguém precisava de ser ouvido e eu fiquei calada, com a pergunta certa presa na garganta pela tua mão cautelosa?
Quero negociar contigo, Medo Antigo. Não quero eliminar-te completamente, a tua sensibilidade para os limites alheios é valiosa. Mas quero que aprendas a distinguir entre interesse genuíno e intromissão, entre curiosidade carinhosa e invasão de privacidade.
Quando alguém compartilha uma dor, e eu quero perguntar como posso ajudar, isso não é ser chata, é ser humana. Quando vejo brilhar os olhos de alguém ao mencionar uma paixão e quero saber mais, isso não é intrusão – é celebração. Quando noto que alguém parece perdido e quero perguntar se está tudo bem, isso não é inconveniência é cuidado.
A verdade, Medo, é que vivemos num mundo onde demasiadas pessoas se sentem invisíveis, não ouvidas, não vistas. E tu, com a tua cautela excessiva, às vezes impedes-me de oferecer esse reconhecimento simples, mas importante: o interesse genuíno pelo outro.
Quero aprender uma nova forma de estar. Uma, onde a curiosidade carinhosa não seja confundida com intromissão, onde o interesse genuíno seja reconhecido pelo que é: uma forma de amor. Onde eu possa perguntar "Como foi o teu dia?" e realmente querer saber a resposta. Onde possa dizer "Conta-me mais sobre isso" sem medo de estar a ser demasiado.
Descobri algo importante: a maioria das pessoas não nos considera chatos quando nos interessamos genuinamente por elas. Pelo contrário, sentem-se vistas, valorizadas, reconhecidas. O que consideramos intromissão, elas podem ver como atenção. O que tememos ser inconveniente, pode ser exatamente o que precisavam.
Claro que há limites, e tu és bom a reconhecê-los. Continua a alertar-me quando alguém claramente não quer falar, quando as perguntas podem ferir em vez de curar, quando o silêncio é mais apropriado que as palavras. Mas deixa-me também arriscar a ligação genuína, a pergunta que pode abrir um coração, a curiosidade que pode transformar uma amizade.
Vamos fazer um acordo, tu e eu? Vamos transformar-te de "medo de ser chata" em "sabedoria para perguntar bem". Em vez de me impedires de questionar, ajuda-me a fazê-lo com amor, com oportunidade, com genuína intenção de compreender e apoiar.
Tudo isto porque a vida é demasiado curta para conversas superficiais, e o mundo tem histórias demasiado belas para ficarem por contar, simplesmente, porque tivemos medo de perguntar.
Com gratidão e muita coragem despeço-me,
Eu mesma.
Ana Paula Melo
Junho 2025