Afinal o que é o Mindfulness?

15-09-2021

Ao longo dos últimos anos, o conceito de Mindfulness tem-se tornado mais conhecido, mais estudado e mais divulgado. Este aumento de notoriedade tem certamente a vantagem de permitir o conhecimento e a oportunidade de prática a muito mais pessoas, mas por outro lado também o pode tornar um conceito vulgarizado, pouco claro e muitas vezes mal compreendido.

Em grupos de pessoas que ainda não têm experiência com a prática de Mindfulness, observo muitas vezes dois extremos: as que recebem o conceito com a expectativa de que seja uma panaceia para todos os males e as que o renegam por o conectarem a vários mitos em seu redor, nomeadamente a uma prática religiosa, hippie, "na moda".

Talvez parte desta confusão e incompreensão seja porque o Mindfulness é em sim mesmo um conceito extremamente simples, mas normalmente difícil de cultivar e praticar.

Todos nós temos a capacidade de "praticar mindfulness" nos diversos momentos da nossa vida. É na realidade uma capacidade humana básica, mas que no ritmo frenético e cheio de distrações em que vivemos nos esquecemos de "praticar".

Mindfulness (muitas vezes traduzido em português como atenção plena) é a capacidade de estar presente no momento, de forma consciente e atenta ao que se passa dentro de nós (pensamentos, emoções, sensações físicas) e ao nosso redor. E também a capacidade de fazer esta observação com uma atitude de curiosidade, gentileza e não julgamento.

O Mindfulness também pode ser entendido pelo que não é. Apesar de algumas das práticas de mindfulness serem práticas meditativas (que ao longo do tempo foram utilizadas essencialmente em contextos espirituais), o Mindfulness não é uma religião, nem inerentemente um conceito místico ou espiritual, podendo ser praticado em contexto secular. O Mindfulness também não é limparmos os pensamentos e negarmos as nossas emoções. Pelo contrário, é compreender como a mente funciona e saber acolher e reconhecer os pensamentos e as emoções para melhor lidarmos com elas. O Mindfulness também não é um "tratamento" para todos os males, não é uma solução rápida, é uma prática e como tal, exige intenção e disciplina. E uma aprendizagem contínua.

Para praticar Mindfulness, também não temos que nos afastar e isolarmos do mundo. Como refere John Kabat-Zinn (o grande responsável por trazer o Mindfulness para a prática clínica): a verdadeira meditação está na tua vida. 

Como praticar Mindfulness

Mindfulness é a capacidade de estarmos deliberadamente presentes no momento, conscientes de onde estamos, do que estamos a fazer e de com quem estamos. Observando o que acontece dentro de nós e ao nosso redor, com uma atitude de curiosidade, gentileza e não julgamento. É uma capacidade humana básica ao alcance de todos, mas mais facilmente acessível se a praticarmos.

Esta capacidade pode ser treinada de forma dedicada, planeando um tempo específico para a prática (se compararmos com um treino físico, será como ir ao ginásio ou dedicar um tempo específico para exercitar o corpo) e de forma integrada, incluindo esta capacidade e qualidade de atenção nas tarefas que já fazemos no nosso dia a dia (como subir as escadas em vez de apanhar o elevador).

Prática dedicada

Temos cada vez menos pausas naturais no nosso dia-a-dia. É por isso importante planear deliberadamente momentos em que possamos parar. A prática dedicada é normalmente uma prática meditativa em que o objetivo é observar o momento presente tal como ele é, sem julgamento. Podemos começar por 5 a 10 minutos e ir alargando esse período ao longo do tempo. Não é necessário nenhum material ou local específico, mas é importante estarmos cómodos e encontrarmos um espaço mais calmo e reservado. A respiração é muitas vezes utilizada como âncora para o treino da nossa atenção no momento presente, mas existem vários tipos de meditação mindfulness em que treinamos a atenção de forma mais focada ou mais alargada, observando o que acontece em nós e ao nosso redor. Apesar de exigir um tempo específico, rapidamente nos apercebemos que a prática dedicada (ou formal) apoia e fortalece a capacidade de praticarmos de forma mais informal/ integrada durante as diferentes situações do nosso dia.

Prática integrada

Um estudo da Universidade de Harvard, desenvolvido por Matthew A. Killingsworth e Daniel T. Gilbert, concluiu que cerca de 47% do tempo estamos a pensar em algo diferente do que estamos a fazer e que esse deambular da mente geralmente nos deixa mais infelizes. Na prática integrada de mindfulness o objetivo é trazer a nossa atenção para o que efetivamente estamos a fazer no momento. E fazê-lo com curiosidade, gentileza e evitando o julgamento. Podemos deliberadamente trazer esta qualidade de atenção para as diversas situações do dia: ao beber um café, prestar atenção ao sabor, ao cheiro, à temperatura...; ao tomar banho focar-me na sensação da água no corpo, na temperatura, no toque...; ao conversar com alguém focar-me efetivamente no que a outra pessoa me diz. É simples, mas exige prática. Em qualquer altura do dia, sinta como seria prestar mais atenção e permitir-se experimentar o que está presente, não tentando mudar nada, simplesmente estando e sentindo.

Pode o Mindfulness trazer benefícios para o ambiente de trabalho?

Vivemos numa época onde a globalização e o avanço das mudanças tecnológicas criam volatilidade, incerteza, caos e ambiguidade, num mercado de trabalho em constante transformação e num mundo onde a comunicação está presente 24 horas por dia. Onde a pressão por grandes resultados, alto desempenho e multitasking fazem parte integrante do trabalho.

Novas perspetivas na área da psicologia e da neurociência têm ajudado a que cada vez mais as empresas reconheçam que os recursos cognitivos e emocionais dos seus colaboradores determinam não só a sua saúde e bem-estar, mas também o seu desempenho nomeadamente na capacidade de adaptação à mudança, criatividade e inovação.

A prática de Mindfulness tem estado na vanguarda desta tendência - em parte devido à sua crescente popularidade mas também e principalmente pelo aumento exponencial de estudos indicativos e comprovativos dos benefícios da sua prática.

Existe uma extensa evidência de que a prática de Mindfulness é efetiva na redução do stress, da ansiedade e da depressão. No que diz respeito à sua aplicação em organizações, os estudos indicam que os amplos benefícios da prática de Mindfulness sobre os domínios funcionais da atenção, cognição, emoção e comportamento, podem influenciar os resultados fundamentalmente em três áreas chave:

Bem-estar e resiliência

  • fomentando um maior autoconhecimento que os ajuda a participar ativamente no seu desenvolvimento e a melhorar a sua motivação e resiliência
  • permitindo reconhecer melhor os sinais de stress e responder com mais eficácia a estes sinais, tendo um maior discernimento sobre o que promove ou esgota os seus recursos internos
  • ajudando a reconhecer e acolher melhor os pensamentos e moções encontrando maneiras de trabalhar habilmente com eles

Relações interpessoais

  • desenvolvendo uma comunicação mais consciente e eficaz
  • desenvolvendo competências sociais e de cidadania através da promoção da empatia e da compaixão
  • diminuindo a reação defensiva por impulso e ajudando a uma reação mais acertiva e intencional

Performance

  • ajudando a desenvolver o potencial de cada colaborador através de processos de auto-conhecimento
  • permitindo uma tomada de decisão mais consciente
  • aumentando a capacidade de focus e diminuindo as falhas cognitivas (distração, esquecimento)
  • promovendo a flexibilidade de pensamento e a criatividade

Mindfulness: expectativa vs realidade

Durante estes anos em que tenho facilitado programas e sessões de mindfulness, ouvi várias vezes algo do género: "Eu não consigo meditar. Já tentei, mas não é para mim". Para muitos, a experiência inicial com a prática de mindfulness (em especial com a meditação) é de alguma frustração e inquietude, o que em consequência os leva a desistir. Na maior parte das vezes o que está na origem é falsa expectativa de que através da prática se vão sentir automaticamente mais calmos e relaxados, numa espécie de nirvana e livres de pensamentos.

O Mindfulness tem-se tornado um conceito cada vez mais falado e promovido nos últimos tempos e embora com isso tenha aumentado a popularidade, também é verdade que continua a ser mal interpretado por muitos. Existem sem dúvida muitos benefícios obtidos através da prática de mindfulness (e evidência científica a comprová-lo), mas para tirar o maior proveito da prática, eu diria que o primeiro passo será largar expectativas irrealistas.

Reforço claro, que isso não significa que a prática de mindfulness não seja extremamente impactante e transformadora. O que acontece é que a expectativa habitual é que isso aconteça de forma fácil e rápida. E se bem que que a capacidade de estar presentes no momento e de observar o que acontece com curiosidade, amabilidade e sem julgamento é algo que nos é natural desde crianças, também é verdade que deixamos de exercitar essa capacidade e somos envoltos num mundo de ritmo alucinante e cheio de distrações. Por essa razão a prática de Mindfulness é algo simples, mas difícil.

Não começamos a sentir-nos em plena forma física depois de duas semanas de ginásio, nem sabemos falar fluentemente uma língua estrangeira depois de apenas algumas aulas. Também no Mindfulness é necessária intenção, persistência, resiliência, paciência e muita prática.

É na realidade um processo continuo de aprendizagem, em andamento. Mesmo para quem persiste e apesar dos benefícios notórios, o processo é muitas vezes desafiante, com altos e baixos, com calma e inquietude, com avanços e recuos. Acredito que um dos fatores de sucesso para que mais pessoas possam beneficiar da prática de Mindfulness é precisamente clarificar os mitos, mas também as expectativas. E entender o processo:

  • Parar e observar o que acontece (dentro de nós e ao nosso redor) quando não estamos habituados a isso, pode trazer num primeiro instante uma sensação avassaladora ao contrário da calma que muitas vezes é esperada. Abre oportunidade para observarmos a "confusão" que existe dentro e ao nosso redor e isso é habitualmente desconfortável.
  • Sair do piloto automático e tomar maior consciência das nossas crenças e valores faz-nos questionar crenças antigas que nos foram incutidas e com as quais já não nos identificamos. E isso influencia muitas vezes a maneira como nos relacionamos com as situações e com os outros.
  • A prática de Mindfulness pode começar com determinada intenção específica (gerir o stress e ansiedade, estar mais focado no trabalho, melhorar a resiliência), mas quando praticado de forma consistente torna-se uma forma de vida que afecta as suas diversas dimensões (em casa, no trabalho, na sexualidade, na parentalidade, na relação e intervenção social). Isso pode criar por vezes alguma dirupção com o que nos rodeia se não estiver alinhado com essa visão.
  • Reconhecer as nossas emoções (agradáveis e desagradáveis) com curiosidade, equanimidade e aceitação (não aversão) não é um processo fácil. Lidar com a dor emocional pode "desempaquetar" situações de trauma.
  • Costumo dizer que maior "consciência" (de si, do outro, do mundo) traz maior responsabilidade. Quando não se age em coerência rapidamente se sente o desconforto.

Os benefícios do Mindfulness já foram abordados num outro artigo e serão certamente explorados em artigos futuros. São reais e notórios e a prática de Mindfulness é uma das ferramentas mais poderosas que conheço para melhorar a saúde mental e vivenciar a vida de forma mais presente, intensa e feliz. Mas para isso, como costumo dizer no início das minhas práticas, convido-vos a trazer a intenção e a largar a expectativa.

As 9 Atitudes do Mindfulness

Já falámos em artigos anteriores o quanto a atitude é importante (combinada com a atenção e intenção) na prática de mindfulness. Habitualmente simplificamos a abordagem nomeando a curiosidade, a amabilidade e o não julgamento como as atitudes fundamentais nesta observação atenta de nós mesmos e do que nos rodeia.

No entanto, pela importância que tem, a questão da atitude deve ser mais aprofundadamente explorada e para isso podemos usar as 9 atitudes de Mindfulness descritas por John-Kabat Zinn. Estas atitudes não devem ser encaradas de forma isolada, mas interconectadas na sua leitura e interpretação.

Antes de as descrevermos, queria salientar a importância que estas atitudes têm para mim. Durante algum tempo, acreditava que para cultivar e treinar a minha atenção, presença e bem-estar, o essencial era sentar-me durante vários minutos por dia a meditar. Essa disciplina diária e esse tempo de silêncio continuam a ser fundamentais para mim (e acredito fundamentais para que toda a prática integrada esteja presente no dia a dia), mas tomei rapidamente consciência que a verdadeira prática não está na almofada de meditação, no tapete de ioga ou nos dias de retiro. A verdadeira prática (e desafio) é como lido com a minha rotina diária por mais stressante que seja, como vivo a relação com os outros e comigo mesma e para isso, estas atitudes são um excelente guia. Na verdade, constituem, como diz John Kabat Zinn, pilares fundamentais para a integração e enraizamento da prática de Mindfulness - o verdadeiro "caminhar o que falo".

Não julgamento

À medida que praticamos Mindfulness, tornamo-nos mais conscientes dos nossos hábitos mentais, bem como das nossas emoções e sensações físicas. Normalmente, interpretamos essas experiências como boas (e queremos mantê-las), más (e tentamos rejeitá-las) ou neutras. O não julgamento em relação ao que nos acontece é uma atitude fundamental para sermos capazes de abrir espaço e criar aceitação para tudo o que vivemos. É importante referir que o não julgamento se deve aplicar também ao que observamos ao nosso redor. Não significa que tenhamos a mesma opinião ou que concordemos com tudo. A prática do não-julgamento ajuda-nos, no entanto, a observar o outro (e o mundo) com maior abertura para diferentes características, opiniões, sem crenças que possam ser limitadoras à construção de relações mais empáticas, construtivas e colaborativas.

Paciência

Precisamos ser pacientes connosco. Vivemos a maior parte do nosso tempo no piloto automático e a criação de novos hábitos e caminhos no cérebro leva tempo. É um processo contínuo que exige intenção, disciplina, repetição ... e paciência. É importante lembrar que a nossa mente começa a divagar naturalmente e que o facto de percebermos isso e trazermos a nossa atenção novamente para o momento presente, já é uma prática.

Mente de principiante

A 'Mente de principiante' é uma mentalidade que nos ajuda a ver e experimentar tudo como se fosse a primeira vez. Imagine a maneira como uma criança olha para o mundo ou mesmo a nossa experiência enquanto adultos quando visitamos um novo lugar ou provamos uma nova comida. Desenvolver essa mentalidade para tudo o que fazemos (como costumo dizer, até a lavar a loiça), ajuda-nos a sair do piloto automático e a prestar atenção às experiências com maior intensidade e maior presença.

Confiança

Não existem atalhos para uma vida mais mindful. Se quisermos sentir alguns benefícios, precisamos confiar no próprio processo (e na pesquisa científica disponível que demonstra o seu impacto e os seus benefícios). Adicionalmente, a prática de mindfulness traz-nos também um maior conhecimento - e consequentemente uma maior confiança - em relação à nossa sabedoria interior e intuição.

Não esforço

No dia a dia sentimos frequentemente que "devíamos" fazer ou ser algo, exigindo muitas vezes um esforço mental e emocional para tentar alterar e controlar o que na realidade muitas vezes não controlamos. O "não-esforço" é saber permitir e aceitar que o momento presente seja do jeito que é. Permitir que as coisas fiquem na consciência sem a necessidade de fazer nada ou consertar, chegar a algum lugar ou atingir determinado estado (de relaxamento por exemplo). Sentir que tudo o que já está aqui já é o suficiente. Não é fácil de praticar, mas é pode constituir um processo profundo de cuidado, cura e restauração.

Aceitação

Aceitação não é resignação ou ser passivo. É o reconhecimento de que as coisas são como são (e não como às vezes queremos que sejam). Esta é uma mudança fundamental para acolher a dificuldade, mudar a nossa relação com as coisas da vida que nos causam sofrimento ou dor. Com aceitação, criamos a possibilidade de aplicar sabedoria a essa situação, mudando a maneira como reagimos a ela.

Deixar ir

Às vezes, ficamos muito apegados a certos pensamentos, a certas emoções e até a certas expectativas. "Deixar ir" é uma mentalidade que nos permite a possibilidade de não nos envolvermos demasiado nem nos apegarmos ao que queremos e nos agrada, mas também a pararmos de ruminar em situações e pensamentos negativos. Observar as experiências sem julgamento ajuda-nos a deixá-las ser e, ao fazê-lo, a deixá-las ir.

Gratidão

Com a prática de mindfulness, tornamo-nos mais conscientes de todas as experiências. Isso permite-nos perceber e sentir coisas que não reconhecemos tanto no piloto automático. Quando trazemos um sentimento de gratidão pelo momento presente e pelas coisas que temos (como poder andar, ouvir, ver ...), a experiência muda.

Generosidade

A generosidade facilita a interconexão e o serviço aos outros, ajudando-os com o que mais precisam. Estudos demonstraram que isso tem uma forte associação com a saúde psicológica e o bem-estar. Mindfulness é estarmos atentos a nós, mas também aos outros, cultivando relacionamentos mais empáticos e compassivos.

Porque precisamos tanto de auto-compaixão?

Durante muito tempo a auto-compaixão foi para mim uma palavra mal-amada. Associava-a ao acto de ter pena de mim e sentia que se tivesse pena de mim, os outros também teriam e eu nunca quis ser uma "vitima".

Demorou algum tempo até perceber que sem auto-compaixão, não pode existe compaixão pelo outro. Que cuidar dos outros (algo que sempre este muito presente em mim) só é possível se cuidarmos de nós primeiro.

Ao mesmo tempo sinto que esta não é apenas a minha experiência, mas um retrato da sociedade em que vivemos, principalmente na minha geração e nas anteriores.

Paul Gilbert, fundador da Terapia Focada na Compaixão (CFT) diz-nos que a grande maioria das pessoas tem receio de ser auto-compassiva porque sentem que não merecem isso. Esta é a realidade que criamos, incutida pela influência social que faz com que sintamos que para sermos melhores e nos "consertarmos" necessitamos de soluções externas, que não somos suficientes, que temos que ser "perfeitos", que já "nascemos em pecado" e em pecado morreremos...

Enquanto crianças a grande maioria de nós sentiu o bloqueio de não podermos expressar as nossas opiniões e as suas emoções. "A criança não tem opinião", "para de chorar ou "levas" mais", "os homens não choram", "muda de cara e sorri para as pessoas", "não deves sentir-te assim", e tantas outras expressões que fizeram parte da nossa educação...

Depois chegamos a adultos sem linguagem emocional, com dificuldade de regular as nossas emoções, deixando-as "explodir" em comportamentos impulsivos ou deixando-as entranhar-se no âmago e nas vísceras dando cabo da nossa saúde física e mental.

A auto-compaixão é uma estratégia fundamental para a regulação emocional. E as emoções são aquilo que nos conecta com os outros, por isso tem um reflexo individual e colectivo. Ao contrário da ideia que nos foi incutida, a auto-compaixão não nos leva à passividade.

Pelo contrário, a aceitação (e a não rejeição) de que o erro, o fracasso, as emoções difíceis fazem parte deste caminho que é a vida, levam a uma maior motivação para continuar a caminhar e a fazer melhor.

Um dos estudos efetuados nesta área, desenvolvido pelos investigadores Breines & Chen da Universidade da Califórnia avaliou os efeitos de um treino de compaixão com um grupo de estudo e usando dois grupos-controlo, um sem intervenção e o outro com um treino de auto-estima. Os resultados do grupo de auto-compaixão foram melhores que os dois grupos de controlo e foi concluído que a auto-compaixão pode aumentar a motivação de auto-aperfeiçoamento uma vez que encoraja as pessoas a enfrentar os seus erros e fraquezas sem auto-depreciação e sem um auto-engrandecimento defensivo.

Kristin Neff, uma das investigadoras referência nesta área e criadora do programa MSC (Mindfulness Self Compassion), define a auto-compaixão como 3 passos fundamentais:

Mindfulness: a consciência daquilo que somos e experienciamos. Ou seja, a capacidade de observar os nossos pensamentos e emoções sem autocritica, mas também sem superidentificação. Encarando os pensamentos e emoções (mesmo as mais desagradáveis) como experiências que temos e não confundindo com aquilo que "somos". Podemos não controlar os pensamentos e as emoções que surgem, mas podemos de algum modo controlar o que fazemos com eles/elas.

Amabilidade e não julgamento: já repararam como quase sempre é mais fácil sermos amáveis com os outros do que connosco? Sermos mais compreensivos quando sofremos, erramos e fracassamos ajuda-nos a reduzir o sofrimento, a frustração e o stress e a gerir as emoções com maior equanimidade.

Sentido de Humanidade Comum: aceitar que o erro, o fracasso, as emoções difíceis e até a inadequação fazem parte da experiência do ser humano ajuda-nos a não cair em dois extremos: a ideia de vitimização de que "isto só me acontece a mim" ou a ideia de que "algo está errado comigo e eu não devia sentir isto".

Terminando este artigo, queria ainda partilhar convosco que praticar mais auto-compaixão me ajudou a fazer a transformação da culpabilização para a responsabilidade. Sempre senti muita culpa em relação às minhas imperfeições, até dar conta que utilizava a "culpa" para me poder sentir melhor. Dessa maneira podia continuar a sentir-me alguém que quer ser uma "boa pessoa" e que se sente culpada por ter feito algo de errado. Mas a culpa não ajuda ninguém. Bloqueia, afunda-nos.

Encarando os meus erros e fracassos com maior auto-compaixão, ajudou-me a sentir responsabilidade em vez de culpa. E a responsabilidade ajuda-me a aceitar aquilo que foi, aquilo que é e a motivar-me para fazer diferente e melhor.

O que a neurociência nos diz sobre o mindfulness?

A investigação indica que cerca de 50% do tempo em que estamos acordados, a nossa mente está a divagar e uma das razões porque isso acontece é porque o nosso cérebro tem uma rede de modo padrão. O conceito de uma rede de modo padrão foi desenvolvido depois dos investigadores inadvertidamente notarem níveis surpreendentes de atividade cerebral em participantes experimentais que deveriam estar "em repouso", que não estavam envolvidos em nenhuma tarefa mental específica, mas apenas descansando em silêncio. Esta é a rede envolvida no planeamento, no sonhar acordado e no ruminar. Também é chamado de "circuito narrativo" porque também se torna ativo quando estamos a pensar sobre nós próprios ou sobre outras pessoas (adicionando histórias a isso).

A rede de modo padrão é útil porque está envolvida na nossa memória, ajudando-nos a fazer um modelo do mundo e a prever o futuro com base em eventos passados. Mas também tem as suas desvantagens. Pesquisas recentes associam a rede de modo padrão com a infelicidade, depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção, hiperatividade (TDAH) e doença de Alzheimer.

Os estudos indicam que a rede padrão é menos ativa durante a meditação (evitando a ruminação e a divagação) e demonstraram uma maior conectividade funcional entre essa rede e as regiões da rede executiva central, relacionada com a gestão da atenção, sugerindo uma maior capacidade de monitorizar e gerir o pensamento divagante e autorreferencial.

Como as práticas de atenção plena mudam o cérebro

Há evidência de que a meditação mindfulness causa mudanças na estrutura e função das regiões do cérebro envolvidas na regulação da atenção, regulação emocional e autoconsciência.

Um exemplo disso é a investigação desenvolvida pela Dra. Sara Lazar e pela sua equipa usando um grupo experimental que teve uma intervenção de meditação mindfulness de 8 semanas e um grupo controlo sem essa intervenção. A equipa estudou as diferenças na quantidade de massa cinzenta usando técnicas de neuroimagem fMRI. Os resultados mostraram que, ao contrário do grupo de controlo, o grupo de treino de mindfulness revelou um aumento da massa cinzenta (em comparação com sua própria linha de base antes do treino) em quatro regiões diferentes:

  • o cíngulo posterior (associado a divagação da mente e auto-relevância)
  • hipocampo esquerdo (aprendizagem e memória)
  • junção temporo-parietal (ajuda na empatia e compaixão)
  • ponte (ajuda na comunicação entre o tronco e o córtex, bem como no sono).

Os resultados também demonstraram uma diminuição da massa cinzenta da amígdala (área do cérebro conectada com o medo e o stress percebido). Essas mudanças na estrutura cerebral são coerentes com o feedback relatado pelos participantes que descreveram um aumento na sua qualidade de vida, bem como uma diminuição na ansiedade e stress, divagação mental e insónia. Eles também mediram o cortisol (uma hormona do stress) e encontraram níveis mais baixos de cortisol nos participantes sob intervenção de mindfulness.

Como o cérebro muda

Se há alguns anos se pensava que assim que se desenvolvia o nosso "cérebro de criança" tudo começava a declinar, agora sabemos que não é bem assim.

O nosso cérebro tem a capacidade de mudar a sua forma e função usando uma característica chamada de neuroplasticidade. Isso significa, por exemplo, que a massa cinzenta pode engrossar ou encolher e que as conexões entre os neurónios podem ser fortalecidas ou novas conexões podem ser criadas. Isso também significa que a estrutura e a ativação do nosso cérebro podem ser alteradas de acordo com as experiências que temos ou mesmo com o treino que lhe damos. Assim, o mesmo tipo de mecanismo que podemos usar para desenvolver a nossa memória ou aprender novos idiomas pode ser usado para treinar a nossa atenção e promover o nosso bem-estar. Isso é o que fazemos com as práticas de mindfulness.

"Repita aqueles comportamentos que são saudáveis ​​para o seu cérebro e quebre aqueles comportamentos e hábitos que não são. Pratique ... e construa o cérebro que você deseja"

Lara Boyd, PhD, Universidade da Colômbia Britânica

O maior presente: escutar e ser escutado

Hoje quero partilhar convosco uma das práticas de Mindfulness integradas que mais gosto e que sinto ter um impacto enorme na maneira como nos relacionamos connosco e em especial com os outros: a escuta consciente.

Provavelmente a maioria de nós passa o dia a comunicar com outras pessoas e a sentir que as escuta. Na realidade os estudos indicam que a nossa capacidade de prestar atenção tem diminuído muito nos últimos anos e que em média, temos cerca de 25% de eficiência na nossa escuta. Indicam também que a maioria das pessoas sobrevaloriza a sua capacidade de escuta.

Sabemos por experiência própria que ser escutado é um dos maiores presentes que podemos receber e é essencial para criar conexão. Presença, curiosidade, atenção, silêncio, igual valor, compaixão... são alguns dos componentes de uma escuta atenta e presente.

Tara Bach, psicóloga americana, autora de vários livros e reconhecida facilitadora de meditação, especialmente na área da gestão emocional refere que ESCUTAR não é apenas uma característica a aprender para se ser uma pessoa mais consciente. É uma competência profunda e basilar.

Propõe ainda algumas estratégias para todos aqueles que querem melhorar a sua capacidade de comunicação e escuta:

  • Definir uma intenção para escutarmos alguém de forma mais presente e consciente. É difícil fazer com qualquer pessoa e a cada momento, por isso podemos definir a intenção de o praticar com alguém em específico.
  • Refletir sobre a intenção da conversa. O que pretendo daqui? Impressionar a pessoa? Aprovação da pessoa? Provar a minha razão? Qualquer "agenda" que levemos para uma conversa já diminui a nossa capacidade de escuta.
  • Notar o que sentimos em relação à conversa. Que emoções? Que sentimentos? A abertura para escutar o outro deixa-nos muitas vezes mais desconfortáveis e vulneráveis porque não "prevemos" como vamos reagir.
  • Oferecer "presença" durante a conversa. Mantermos "escuta interna" é essencial para estarmos em equilíbrio e centrados enquanto escutamos o outro. Podemos trazer momentaneamente a atenção para o nosso corpo, para os nossos pés ou respiração.
  • Fazer "coaching" a nós mesmos. Mantermos a capacidade de escuta durante a conversa por vezes não é fácil. Para ajudar, podemos trazer à mente algumas frases como: "Eu escuto o que dizes", "Isto é importante"; "Está tudo bem, eu tenho tempo".
  • Escutar focando a atenção no que o outro nos diz, observando gentilmente as distrações que surgem: outros pensamentos que nada têm a ver com a conversa, entrar em interpretações ou julgamentos, auto-pensamentos (não tenho tempo, etc...).

Ouvir é, para a maior parte de nós, um acto natural, mas escutar de forma atenta e presente exige prática e intenção. Vamos experimentar?

"Ouvir é inclinar-se suavemente com vontade de ser mudado pelo que ouvimos"  Mark Nepo

Vanda Sousa