A Tradução do Mundo

23-07-2025

Os ensaios literários proferidos por Vásquez, nas conferências Weidenfeld da universidade de Oxford, abordam o papel da ficção na compreensão do mundo. O autor destaca como a literatura ficcional nos permite descobrir, na nossa própria experiência, os passados alheios, revelando o lado oculto da condição humana e possibilitando que a mente se perca em identidades fictícias.

O escritor colombiano também observa que, tanto no presente, quanto no passado, há uma tendência para valorizar os textos factuais, aqueles baseados em experiências pessoais ou comprováveis, em detrimento da escrita criativa. Também no passado distante, Platão baniu os poetas por considerá-los meros veículos das musas, incapazes de falar sobre o que realmente sabiam ou testemunhavam, destituídos de identidade própria e camaleónicos o suficiente para assumir qualquer carácter, fosse ele honesto ou desonesto, virtuoso ou imoral.

No entanto, o escritor questiona, como explicar as lágrimas de Ulisses quando ouve a narrativa dos seus feitos por um homem cego que não os presenciou? Ou ainda, como Daniel Defoe, ao se assumir como o náufrago Robinson Crusoe, conseguiu fazer parecer a sua narrativa tão real? Ou como Marguerite Yourcenar, em "Memórias de Adriano", concebe um imperador romano, refletindo sobre a sua vida em carta ao seu sucessor Marco Aurélio, quase dois mil anos depois?

Por fim, destaco a apologia de Vásquez à criatividade do romance histórico em contraposição às histórias oficiais. O artista afasta-se das versões históricas, porque vê-as marcadas por uma necessária falsidade, e por não chegarem às incertezas e imprecisões dos que viveram os acontecimentos.

Paulo Correia
Julho de 2025