A pergunta ao contrário

09-09-2021

A PERGUNTA AO CONTRÁRIO

Já alguma vez pensou fazer a pergunta ao contrário? Em vez de se questionar sobre "O que é que a minha empresa pode fazer por mim?", perguntar "O que é que eu posso fazer pela minha empresa?"

Este exercício torna-se particularmente relevante quando se começa a pensar na transição para a reforma. Neste momento da carreira, as pessoas tendem a perguntar como irei ser tratado(a) no próximo programa de pré-reformas, no novo ciclo de promoções e aumentos salariais ou na próxima reestruturação. Adota-se, normalmente, uma postura passiva e expetante que muitas vezes é interpretada pelos outros (colegas e chefias) como desinteresse, falta de energia e resistência à mudança. O resultado é frequentemente o não pretendido: a saída antecipada da empresa sem preparação prévia.

Mas não tem que ser necessariamente assim. Abrem-se novas perspetivas quando perguntarmos o que (ainda) podemos fazer pela nossa empresa, o que (ainda) podemos fazer, qual o valor acrescentado que (ainda) temos para dar, qual a experiência que (ainda) podemos partilhar até à transição para a reforma. Senão, vejamos! Uma carreira de 20 ou 30 anos é um acumular de experiências e de saber que tem um valor incalculável para a nossa empresa e para os nossos colegas mais novos. Quando se passa por ciclos de crescimento económico e por períodos de recessão ficamos a conhecer melhor as reações dos nossos clientes, a necessidade de resiliência e reação, a possibilidade de fazer mais com menos recursos, a alegria de termos que nos reinventar e a tristeza de vermos colegas serem dispensados. Ficamos a saber ler melhor os sinais do mercado e da organização. Adquirimos ferramentas que nos permitem gerir melhor as situações de conflito e tensão. Tendemos a ouvir mais do que a falar. Desenvolvemos capacidades de conciliação e compromisso.

Agora, imagine o quão importante é para uma organização esse "saber fazer" e essa experiência acumulada. Infelizmente, a grande maioria das organizações não está preparada e sensibilizada para isso, pelo que nos compete a nós tornar visíveis essas valências e sugerir propostas concretas de ação. Fruto dessa pro-atividade podem surgir programas de transferência de saber. Ao longo dos últimos 15 anos, enquanto consultor, tive o privilégio de conhecer alguns programas de que gostei particularmente por envolverem populações normalmente "mais esquecidas". Recordo um projeto na CIMPOR que visava preservar o "saber fazer" dos fogueiros, essenciais para assegurar os fornos que são peça fundamental no processo de produção cimenteira. Outro exemplo, que recordo pela importância que tinha para uma visão mais sustentada do setor, foi desenvolvido pela CP, REFER e FERNAVE e prendia-se com a reparação de material circulante e manutenção de ferrovias. Por fim, recordo um outro exemplo que partilho por agregar "saber fazer" na área industrial e de serviços. Há já bastantes anos vi a EDP desenvolver iniciativas de transferência de conhecimento e experiências entre colaboradores de diferentes gerações. Creio, aliás, que a Academia EDP tem a sua origem nestas primeiras iniciativas. Embora todos estes exemplos tenham sido iniciativas corporativas, tiveram na sua génese pessoas que manifestaram interesse em partilhar a sua experiência e conhecimento antes de se reformarem. Pessoas que fizeram a pergunta ao contrário.

E você? Já pensou fazer a pergunta ao contrário? Quando o fizer vai, muito provavelmente, ficar surpreendido com as respostas. É provável que lhe surja a ideia de um programa de mentoring com colegas mais novos ou o desenvolvimento de um programa de sucessão mais estruturado. É possível que surja a ideia de uma transição gradual de funções executivas para funções não executivas com mais tempo para pensar modelos em vez de ficar responsável pela sua gestão e implementação. Talvez surja a oportunidade de desenvolver uma academia interna ou, pelo menos, propor programas formativos relacionados com a transmissão de "saber fazer" ou de gestão de carreiras. É possível que surjam também propostas para repensar a forma de trabalhar, como por exemplo através da redução do horário de trabalho ou de novas formas de vínculo laboral.

O desafio de fazer a pergunta ao contrário aplica-se quer a quem ainda está a trabalhar como aos que, entretanto, já se reformaram. Na realidade, porque não poderemos voltar a colaborar com as organizações com as quais trabalhámos ao longo da vida? Tendemos a centrar-nos nos últimos 10/15 anos. E porque não olhamos lá mais para trás e tentamos retomar contatos de há 25 ou 30 anos? Ao fazer a pergunta ao contrário, talvez detetemos oportunidades que ninguém pensou e que podem ser benéficas para ambos: reformado e organização.

Acredito sinceramente que fazer a pergunta ao contrário irá surpreendê-lo, assim como à organização onde trabalha ou trabalhou.

Por isso...vale a pena tentar!

Diogo Alarcão