A Amizade

Com frequência escrevo textos que são inspirados em livros que leio. Este será mais um desses casos. Se bem que já tenha escrito sobre a amizade na idade da reforma, e de como é importante estar preparado para os amigos que vão e os que vêm nessa altura da vida, o livro que li acabou por me trazer alguma tranquilidade e até ideias de como lidar com o tema. Dizem alguns estudos que os que vivem mais tempo, e mais felizes, são aqueles que têm bons amigos.
O livro que li, e que tenho aqui ao meu lado, chama-se "Deixa estar" – "The let them theory" – escrito por Mel Robbins. A teoria do "deixa estar" acaba por ser óbvia, mas de tão óbvia dificilmente a pomos em prática. Numa palavra, se algo, ou alguém te aborrece, e não tens maneira de controlar – nunca esquecendo que verdadeiramente só podemos controlar aquilo que depende a 100%!!! de nós – então "deixa estar" e concentra-te em algo que realmente dependa de ti e isso sim, consegues mudar.
O tema da amizade interessou-me particularmente pois vejo que, à medida que fico mais velha, à medida que a vida foi mudando, o mesmo aconteceu com os amigos. E alguns eu tenho verdadeiramente pena de ter "perdido". Andava aqui às voltas a pensar no que poderia ter feito para que tal não acontecesse, e ao ler a Mel Robbins ela escreve, calma e tranquilamente, isso é normal. Ufa, que alívio.
"As amizades na idade adulta são complicadas porque, a partir dos 20 e poucos anos, a amizade deixa de ser um desporto de grupo e passa a ser um desporto individual".
Confesso que nunca tinha pensado nesta perspetiva mas realmente faz toda a diferença.
Quando somos pequenos, desde o jardim de infância até ao liceu, muitos dos nossos amigos tinham a mesma rotina diária – era como uma equipa. Víamos toda a gente da nossa idade a toda a hora, nas aulas, nos corredores da escola, e muitos também na vizinhança ou praticando o mesmo desporto e outras atividades. Tínhamos as mesmas datas importantes, datas de aniversário, férias escolares, ou seja havia um grupo de pessoas que estava a passar as mesmas etapas da vida. Andávamos em grupo. Ou seja, a estrutura das nossas amizades foi planeada para nós, pelos nossos pais, pela escola, pelas atividades extracurriculares. Por tudo isto era fácil fazer amigos, passávamos tanto tempo juntos e partilhávamos tantas experiências que tudo surgia naturalmente.
De repente, quando o liceu, ou a faculdade acabam, começa a dispersão. Porque vamos trabalhar para empresas diferentes, porque vamos viver para outros locais, porque nos apaixonamos, ou desapaixonamos, começamos a conviver com pessoas diferentes, e também muito importante, porque hoje vivemos num mundo cada vez mais ocupado e com mais distrações. Passamos a ser desafiados para fazer novos amigos nas novas etapas da nossa vida. E isso é um trabalho nosso, já ninguém o vai fazer por nós.
Reconhecer esta mudança é primordial para mudarmos a nossa abordagem e não nos sentirmos sozinhos e, pelo contrário, diz a autora," vai ajudá-lo a compreender a amizade adulta a um nível mais profundo, a fortalecer as amizades que já tem e a preparar terreno para conhecer as pessoas favoritas da sua vida, muitas das quais ainda nem sequer conhece".
Quando falamos na importância de fazer uma boa transição para a reforma, as amizades são claramente um capítulo a não descurar. Hoje parece que ninguém tem tempo livre e tentar coordenar agendas, nem que seja para combinar um mero jantar, parece uma tarefa impossível.
Estávamos completamente focados nos amigos do trabalho, nos amigos que surgiram com o casamento, nos amigos que eram os pais dos amigos dos nossos filhos, nos amigos com quem partilhávamos um hobby, e de repente, com a reforma, com o divórcio, com os filhos a mudarem para as suas casas, a viverem noutros locais, hoje tão frequente, até a viverem noutros países, tudo muda. E então, pois então, é NORMAL! Isto vai acontecer ao longo dos anos e o que é importante é não esquecer que a amizade dá trabalho, como eu costumo dizer "precisa de ser regada", e a flexibilidade, a maneira como nos colocamos perante a vida, vai levar-nos a usar o nosso tempo de uma forma mais sensata e a criar algumas das melhores amizades que já tivemos.
A autora fala de três pilares da amizade que achei curiosos: a proximidade; a ocasião; a energia.
A proximidade é a frequência com que fisicamente estamos perto de uma pessoa. E claro, é mais fácil aproximar-mo-nos das pessoas que vemos com mais frequência. A verdade é que quanto mais vezes virmos uma pessoa, mais oportunidades temos de a conhecer, de passar tempo com ela, de partilhar experiências e isso pode ser uma boa forma de começar uma nova e verdadeira amizade.
A ocasião, que nesta perspetiva traduz a etapa da vida em que nos encontramos. Se não estivermos na mesma etapa da outra pessoa, torna-se mais difícil relacionar-mo-nos pois temos menos coisas em comum, desde assuntos a horários de disponibilidade. Isso constata-se com muita frequência quando nós nos reformamos e alguns dos nossos amigos de trabalho continuam a trabalhar. O tema trabalho, que antes era uma prioridade, deixou de nos fazer tanto sentido, e a disponibilidade de cada um de nós passou claramente a ser diferente.
A energia, acontece quando se "se dá o clique, ou não". Às vezes nem sabemos explicar porquê: acontece, ou não acontece.
E depois há pessoas que ficam connosco sempre e há outras que vão "desaparecendo". Temos tendência a agarrar-mo-nos a coisas e a pessoas, que por vezes sabemos que podem não ser a nossa melhor opção, e isto porque sabemos que no momento em que nós deixamos de nos esforçar, ou como eu costumo dizer deixamos de "puxar a carroça", a relação vai esmorecer.
Mas também há pessoas com que não estamos há anos e se por acaso nos encontrássemos e resolvêssemos tomar um café, a conversa fluiria como se o tempo não tivesse passado.
O que concluí de tudo isto foi que é muito bom quando conseguimos conservar as amizades de quem realmente gostamos e são importantes para nós. É normal, sem culpa, que algumas amizades, por vezes também importantes para nós, se percam, porque a proximidade e/ou ocasião, contribuiu para tal. E aí, é deixar ir guardar os bons momentos e aceitar a vida como é.
E não se esqueça, ser amigo de nós próprios, termos prazer na nossa companhia, não é fácil para todos, mas vale a pena começar a tratar disso já. Fica com mais um amigo(a).
Teresa Marques
27 de junho de 2025
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