AGOSTO 2025 - NAMÍBIA

África: O Destino Que Me Habitava

África. Nem sei dizer desde quando existia em mim. Talvez desde sempre. Havia nela algo de primordial — uma pulsação antiga, feita de pó, de calor, de terra, de cheiros e de um sangue que parecia correr-me noutro tempo. África não era apenas um destino no mapa: era um chamamento existencial. Um regresso. Um lugar para onde sabia que teria de ir, como quem obedece a uma ordem silenciosa,

Não era a África dos resorts, das praias polidas para turistas. Era a outra: a da cor do fogo, do cheiro a terra molhada, da vida em estado puro. Era a África dos céus estrelados, sem filtros nem barulho. Vermelha, quente, real.

Demorou trinta anos. Mas fui. E quando fui, soube — como se já soubesse — que aquela viagem era mais do que uma viagem. Era um ritual de passagem. Um reencontro comigo mesma.Um reencontro de memórias que sabia que existiam!

Durante décadas, África foi um lugar alimentado pela minha imaginação. Cresceu em mim ao ritmo de livros, documentários, filmes, mercados de rua onde cheirava tecidos e tocava madeira escura. Em cada um desses momentos, sussurrava a promessa: "Um dia estarei lá." E levei essa promessa comigo para todas as outras viagens. África era o pensamento interno a linha de fundo que nunca desaparecia.

E quando finalmente fui, não houve surpresa — houve reconhecimento. Como se o destino tivesse sido sempre este, escrito numa lingua que só o coração entende.

Aos quarenta anos, fiz uma promessa: África, comigo, seria no Botswana, com a minha melhor amiga. O plano era claro, mas o preço — três mil euros — parecia um luxo distante, quase um devaneio. Anos depois, sonhei com o Quénia. Mas não aconteceu. Aos cinquenta, bilhete comprado para Angola, estava tudo a postos... até que um acidente adiou tudo outra vez. Era como se África estivesse ali, à minha espera, mas de olhos semicerrados, desconfiada. Como se dissesse: "Ainda não."

E então, aos sessenta, já sem margem para desculpas, fiz um juramento silencioso: não será mais adiada.

Foi aí que o universo começou a alinhar as suas peças, como num tabuleiro invisível. Tinha acabado de regressar do Peru com um grupo com quem, por vezes, me aventuro. Viagens intensas, de alma e corpo, mas que já me deixavam cansada — demasiado exigentes para o meu momento de vida. Foi então que me falaram de uma agência diferente. Uma que preservava o espírito aventureiro, mas com outro ritmo. Um ritmo mais... meu, atualmente.

Nunca fui fã de agências. Nunca me atraíram. Mas algo naquela recomendação despertou-me a curiosidade. Investiguei. E descobri que esta não era uma agência qualquer — era um grupo acompanhado por um viajante de verdade.

Aliás esta frase, bem como sendo o nosso acompanhante de viagem, a pessoa que eu muito admiro já há longos anos, foi sempre a minha inspiração no que toca a viagens, foram as razões primordiais na minha decisão de optar por este país , que sabia muito pouco e tinha até pouca curiosidade, não identificava com a "minha " África.

O destino? Namíbia. Confesso: não era, até ali, "a minha África". Nunca me tinha ocorrido sequer. Mas bastaram uns minutos de pesquisa para me render. A vastidão, as cores, a rudeza delicada das paisagens — tudo me chamou.Como dizia o viajante que nos acompanhou na viagem " Não há outro lugar no mundo como este".

E como por magia, tudo começou a fazer sentido. O dinheiro de uma venda de casa caiu-me no colo como quem diz: "Agora." Não havia amigos disponíveis para me acompanharem — perfeito. Esta era uma viagem só minha. Um sonho guardado por três décadas, destinado a ser vivido em silêncio, no meu tempo, ao meu jeito.

Ia sozinha, sim. E era precisamente isso que me seduzia: não falar quando não me apetecesse, escrever quando me desse na gana, sentir cada cheiro, cada cor, cada sopro de vento — e trancar tudo no meu baú secreto das memórias.

No meu imaginário, África sempre foi casa. Um regresso. Uma memória de outra vida ou talvez uma antevisão de uma próxima. Era luz, colo, chão. E essa sensação tornou-se tão real que, numa conversa com uma guia portuguesa que vive na Namíbia, ao ouvir os preços das casas por lá, dei por mim a pensar — e a sentir com toda a certeza: vendo a minha casa em Lisboa, venho para aqui. E ainda me sobra dinheiro.

Partimos de Lisboa com destino a Windhoek, a capital da Namíbia, com escala em Angola. No aeroporto de Luanda, entre o caos simpático e o calor húmido, comprei um saco bonito — prático e leve, que me acompanharia até ao fim. Viajo sempre com bagagem mínima. Mochila ou mala de cabine. Não gosto de esperar pelas malas nem de depender de mais ninguém. Esta viagem teria 17 dias, com previsões de calor e frio, mas eu confio no meu velho método: camadas.utilizo o meu método de sempre, camisolas finas umas por cima das outras se estiver frio e retirá-las à medida que aquece, uma parka com capuz leve e maleável, se necessário visto duas calças, uma por cima da outra, e roupa que poderei ir deixando nos hoteis para quem precisar. No Perú estive em viagem quase um mês e o método foi o mesmo. Essa viagem Peru, Bolivia e Chile falarei mais à frente.

Ao chegar a Windhoek, o primeiro impacto foi a vista do rooftop do hotel, com um pôr do sol majestoso, vinho no copo e uma brisa morna a anunciar que África tinha começado. Foi ali que conheci o grupo com quem partilharia a viagem. Gente mais velha, mais conservadora, mais inclinada ao conforto do que à aventura. Um contraste com os grupos com quem costumava viajar. Não me identifiquei muito — mas isso, percebi logo, não seria um problema. A minha companhia principal era eu mesma. Estava só, mas acompanhada. Sem responsabilidade, sem necessidade de adaptação. Só havia uma tarefa: usufruir.Os meus companheiros de viagem a pouco e pouco foram entrosando comigo,percebi rápidamente que uma mulher sózinha a viajar para aquele tipo de pessoas não era comum, e comecei a sentir a curiosidade deles para saberem o porquê? Seria viuva, divorciada, estaria a atravessar um periodo dificil, uma depressão, algum episódio sombrio e aconselhamento médico para viajar( iam vários médicos na viagem)... fui-me rindo para dentro e fingindo não perceber fui gozando tudo aquilo , mas fui deixando arrastar a curiosidade sem abrir o jogo, que não havia nada de especial comigo, só que gosto de viajar sózinha e que o faço muitas vezes...e que sim é habitual ir em grupos com todos os viajantes sózinhos.

A Namíbia, durante o período colonial, enfrentou a ocupação alemã e posteriormente sul-africana, com um trágico capítulo de genocídio contra os povos Herero e Nama. Este genocídio, considerado o primeiro do século XX, resultou na morte de dezenas de milhares de pessoas devido a campanhas militares e condições de vida extremas no deserto.

A Namíbia faz fronteira com África do Sul a sul e sudoeste, e o Oceano Atlântico a oeste e com Angola e Zâmbia ao norte, Botswana a leste.

Após a sua independência, nos anos de 1990, tem passado por um cenário de estabilidade política. Porém, problemas políticos comuns na África, como corrupção dos agentes públicos e dificuldade de participação da população, também estão presentes na Namíbia.

A Namíbia é o habitat de diversos animais das savanas africanas. O país possui a maior população de leopardos do mundo.

• O Fish River Canyon é a segunda maior formação de canion do mundo, longo atrás do Grand Canyon (EUA).

• A população nativa da Namíbia é extremamente diversa. O país conta com 13 etnias diferentes, que falam cerca de 16 dialetos locais.

• O deserto da Namíbia é considerado a formação desértica mais antiga do mundo, com cerca de 55 milhões de anos.

A Namíbia apresenta boa infraestrutura de transportes e telecomunicações, no entanto, ao nível de serviços, o país possui infraestruturas urbanas muito deficientes, com dificuldade de acesso da população a atividades como abastecimento de gás e coleta de esgoto. Há na Namíbia inúmeras ocupações urbanas irregulares, as quais ocorrem também no Brasil (conhecidas popularmente aqui como favelas). Visitámos de passagem algumas, mas que embora com aspeto de favela ou o nosso chamado "bairro de lata", está a haver alguma preocupação por parte do governo para equilibrar as construções das barracas e construir escolas e apoios de saude nesses bairros.

A educação e a saúde possuem grande importância.O governo namibiano tem investido bastante na educação a fim de formar mão de obra para o desenvolvimento das atividades econômicas.

O Turismo está em grande expansão ,pela beleza, diversidade e segurança do país.

A cidade, e capital do país, Windhoek , é bonita e organizada, surpreendeu-me. Infraestruturas modernas, traços coloniais, mas África — ainda — estava em suspenso. Ia começar depois.

Seguimos viagem para Waterberg, mas antes parámos num mercado de rua, onde o artesanato local me chamou. Comprei umas pulseiras que nunca mais tirei — tornaram-se talismãs. Sabia que estava a pagar acima do justo, mas aceitei isso como um pequeno tributo àquele povo que tão pouco tem. Um "roubo" simbólico que sabia a humanidade.

Dormimos num parque natural, em pequenas casas envoltas pela natureza, com javalis a passearem-se à nossa volta. Um lugar lindo. Comida excelente. No dia seguinte, começaria o que tantos chamam de aventura: o safari.

O Parque Nacional de Etosha é uma vasta reserva natural onde os animais vivem livres, mas protegidos. Atravessá-lo num jipe alto foi uma experiência hipnótica. Ver girafas, elefantes, gnus no seu habitat, sem jaulas, sem cercas, é uma lição de humildade. À noite, dormimos num resort de luxo com decoração africana requintada Aí percebi porquê que os meus amigos da Nomad , com quem viajei, ultimamente, me aconselharam esta agência! Estavam literalmente a chamarem-me velha! Ou snob !Sim eu na ultima viajem com eles acho que fui um bocado "seca", sempre a refilar por causa dos péssimos quartos de banho, e era quando havia, houve dias que era um buraco e pouco mais! Estava explicado tudo, como meus bons amigos que são, queriam que eu viajasse com o mesmo espirito mas com mais conforto. Mas isto era conforto à séria! Passei de viajante pobre a viajante rica em poucos meses!

E não posso dizer que não estava a saber-me maravilhosamente bem aquele conforto. Desde as minhas viagens pelo México há uns bons anos, não tinha voltado a frequentar hoteis destes.

Voltei ao meu lado mais curioso sobre as pessoas que vivem e são oriundas dos países, ali, sentada ao balcão do bar, daquele esplendoroso hotel, a conversar com os empregados — todos falavam inglês, a língua oficial da Namíbia. Pedi um gin tónico local, que me surpreendeu pela qualidade. Soube então que muitos deles eram angolanos, emigrados à procura de melhores condições. Em praticamente todas as cidades por onde passámos, bastava falarmos português para alguém se aproximar. África reconhecia-nos.

Partimos em direção ao norte, rumo à região de Damaraland. A estrada parecia estender-se para sempre, como uma serpente. O pó erguia-se em espirais douradas, e o silêncio era de uma profundidade que se podia quase tocar. Ali, a paisagem falava — não em palavras, mas em rochas.

Visitámos as gravuras rupestres dos bosquímanos, agora património da UNESCO, e percebi que não estava apenas a visitar África: estava a percorrer memórias humanas de milhares de anos. A Floresta Petrificada, os Organ Pipes, a Burnt Mountain — eram marcos de uma geologia quase mística. Tudo ali me parecia especial, como se o planeta guardasse, naquelas pedras, segredos que nunca seríamos capazes de entender por completo.

Depois, aproximámo-nos da costa. A temida e fascinante Skeleton Coast, a "costa dos esqueletos". Visitámos o Cabo da Cruz, onde Diogo Cão fincou um padrão português em tempos das descobertas. Mas o que ficou foi a força bruta do mar e o som estridente das focas-do-Cabo, em colónia massiva. Nunca tinha visto tantas focas e o cantar delas era mágico.

Chegámos então a Swakopmund, uma cidade de traços alemães, memórias coloniais e charme costeiro. Provámos ostras — as célebres da África Austral — e, para alguns do grupo, houve aventuras extra. Houve quem fosse sobrevoar numa avioneta as dunas mas eu fiquei por terra, e não me arrependi.

Foi nesta cidade que tive uma conversa reveladora com uma guia portuguesa. Contou-me que ali, uma casa colonial renovada com terreno custava cerca de 200 mil euros. Olhei em volta, e por um instante, vi-me a viver ali. A praia a poucos metros, o cheiro da areia quente, a tranquilidade dos dias, os serviços organizados, e aquele calor doce da luz africana. Lisboa parecia longe. África, perto. Demasiado perto. Nesta cidade eu vi-me a viver, praias, deserto, cidade calma mas com bons serviços, casas de sonho e o cheiro e a côr de África. Por momentos pensei, vendo a casa de Lisboa, compro aqui uma casinha colonial e ando entre Lisboa e a Namíbia, até porque um acordo de pré reforma já estava em andamento. A Namíbia tem uma diferença horária de Lisboa de apenas 1 hora, o que para mim facilitou a viagem, eu com jetlag muito grandes demoro uns dias a "aterrar" no país.

Sonhar não custa e eu adoro sonhar...mas os meus sonhos são perigosos como sempre me disseram, sou touro de signo, teimosa e perseverante, quando quero muito uma coisa, vou sempre em frente e "marro" até conseguir!

Nesta cidade fizemos um passeio de barco, para turista, com focas a entrar no barco e pelicanos a aterrarem a bordo, mas foi engraçado. Depois fomos conhecer de jipe as dunas de areia que dão a mão ao oceano, "onde o deserto encontra o mar". Diferente do deserto do Saara em Marrocos, achei que os desertos eram todos iguais mas vi que não são.

Da cidade SWAKOPMUND. Iniciámos a viagem no dia seguinte , e atravessamos algumas das paisagens mais expetaculares, pela diferença, cruzando dois desfiladeiros, o Gaub e o Kuiseb, e o Trópico de Capricórnio.

Ficámos hospedados num lodge lindo como aliás todos o foram, dificilmente diria qual foi o melhor, todos diferentes mas todos lindos, um misto de conforte, bem integrados na natureza do local, num as casinhas até tinham um quintal com couves plantadas,! Neste Namib Desert Lodge fizemos um passeio de jipe ao final do dia para ver a natureza e um magnifico pôr do sol..

Aliás ao longo desta viagem ou não estivessemos em Àfrica foram vários os por do sol que me encantaram, o primeiro na capital pela novidade e todos os outros porque àfrica deve ter seguramente dos melhores por do sol do mundo, acho eu até prova em contário, para mim até agora são os melhores! Mas neste passeio pela reserva do lodge foi o melhor, porque as cores do vermelho do sol, com o amarelo do capim, com o verde seco das árvores, com o avermelhado, quase laranja do solo, o azul do céu, foi lindo! E nesse momento, como que por feitiço percebi que estava ali a "minha" África", e registei esse momento em fotografia e comovo-me só de olhar! Essa noite naquela imensidão de céu estrelado, sob as milhares de estrelas do hemisfério sul, e vendo a via láctea, como nunca a tinha visto, percebi o porquê de ter esperado 30 anos para vir a África e porquê à Namibia e porquê nessa altura,ficou tudo claro, percebi tudo e era tudo pura magia!!!!

Partimos, ainda antes do sol nascer. O silêncio do deserto envolvia tudo, e os jipes avançavam como se navegassem por um mar de areia. O destino era o corredor das dunas de Sossusvlei, e o objetivo era claro: ver o nascer do dia naquela vastidão. E quando ele chegou, foi como um milagre lento.

A luz começou a desenhar contornos nas dunas, revelando sombras longas, esculpidas com precisão divina. E ali estava ela: a Duna 45 — curva perfeita, cor de ferrugem, feita de partículas que talvez fossem mais antigas do que tudo o que conheço. Fui presenteada com várias fotografias que me tiraram nessas dunas e eu senti-me parte delas, tinha as cores perfeitas vestidas em roupas que camuflavam na natureza. Foram fotos de autor !

À noite, no lodge, o cenário mudava, mas o impacto não. Ao som de canções embaladas e melodias de viola, o céu abria-se numa imensidão estrelada. Nunca tinha visto a Via Láctea com tanta clareza. Era como se o próprio universo se inclinasse sobre mim e eu a entregar-me a ele sem pudor, a diluir-me nele, e aquela sensação estranha,, como se já ali estivesse estado, como se eu e a terra já nos conhecesse-mos, eu a pertencer de alguma forma ali!

Fiquei ali, diluída nas estrelas. Não era pensamento — era presença. Uma entrega total. Não era a primeira vez que olhava para o céu. Mas era a primeira vez que sentia, com todo o corpo e alma, que fazia parte dele. Que havia um fio invisível que me ligava àquela areia, àquela luz, àquela música, àquela noite.

Ao fazer um balanço interno, não sei dizer o que mais me marcou. Foi tudo — mas sobretudo o caminho até ao clímax. A viagem foi, em si, uma preparação. E só depois, no momento certo, aconteceu a epifania. Como se diz "quando o discípulo está preparado o mestre aparece".

Não sei se fechei o capitulo de África nas minhas viagens, e na minha vida, acho que vou voltar, ainda não sei bem o destino, mas tal como a Namíbia ele irá desenhar-se sem pressas, e eu vou perceber a sua chegada.

Isabel Abreu
AGOSTO 2025