Poesia # 15 - As farras

11-07-2023


As farras de Carnaval no Tivoli eram o melhor exemplo deste tipo. O Tivoli era (é) na Samba, um bairro um bocadinho mais elitista que o nosso e ficava ali mesmo ao lado do morro da samba. Mas aquilo era só "malaikos". Só quando lá íamos é que animava. E nós não nos fazíamos rogados. No Carnaval era imperdível "bater o pato[1]" no Tivoli. Não era fácil, pois tratava-se dum edifício todo fechado. Era uma obra d'arte. Tinha um só piso para espectadores, que ficava por baixo dum tecto sustentado por pilares, que fazia com que a plateia dispensasse as paredes. Por baixo, havia outro piso, onde funcionava um bar muito amplo e onde decorriam as festas. Eu adorava estar sentado nas cadeiras da plateia a conversar com alguém (alguém é sinónimo de miúda) e a ouvir simultaneamente as músicas que o conjunto tocava, enquanto saboreava um cigarro, todo armado ao pingarelho.

As festas de Carnaval no Tivoli eram normalmente antecedidas duma sessão de cinema, e os bailes começavam à meia-noite, hora a que gostávamos de "chegar". Íamos até ao Brasília, do Sr. Cardoso, queimar tempo e, se tivéssemos "kumbu[2]", bebíamos um daqueles sumos de maracujá que só ali se conseguia encontrar e comíamos uma sandes de fiambre em pão de forma, onde o fiambre atingia a generosa altura de pelo menos 1 cm. Se o "kumbu" não chegasse, íamos à pastelaria da esquina comprar uns pães quentinhos para não nos lembrarmos mais das sandes.

Só havia uma maneira de entrar no Tivoli: pelas janelas dos W.C., que eram daquele tipo que se empurram e ficam abertas com uma inclinação. E era por ali que entrávamos, um a um, tipo salsichas. Escorregávamos lentamente de cabeça para baixo, em direcção à sanita que era preciso evitar no último instante. Enquanto estávamos a escorregar, puxávamos a porta e ficávamos ali dentro até o filme acabar. Para lá da porta fechada, eram os urinóis. Quando aquilo estava completamente cheio do pessoal que tinha acabado de ver o filme e vinha esvaziar a bexiga para ir pró baile, saíamos nós das "cagadeiras", como se tivéssemos ido para lá dois minutos antes, com um ar de necessidades satisfeitas estampado nas caras de parvos. Nunca percebi porque é que os palermas que estavam encostados aos urinóis não estranhavam o facto de saírem uma data de gajos da mesma "cagadeira".


[1] Bater o Pato: Entrar sem ser convidado ou sem pagar
[2] Kumbu: Dinheiro